31 dezembro, 2007

Andar Com Fé - Milton Nascimento - Gilberto Gil (clica aqui)

(Com os votos de um ano novo com saúde)
Mesmo a quem não tem fé
A fé costuma acompanhar
Oh! Oh!
Pelo sim, pelo não...

30 dezembro, 2007

Crying In The Rain - A-Ha (clica aqui)


I'll never let you see
The way my broken heart is hurting me
I've got my pride and I know how to hide
All my sorrow and pain
I'll do my crying in the rain

O que desejei às vezes


O que desejei às vezes
Diante do teu olhar,
Diante da tua boca!

Quase que choro de pena
Medindo aquela ansiedade
Pela de hoje - que é tão pouca!

Tão pouca que nem existe!

De tudo quanto nós fomos,
Apenas sei que sou triste.

(António Botto)

Vamos nessa José? (clica aqui)


É a última vez que aqui escrevo este ano. Amanhã parto, assim a modos que para o deserto alentejano, que é a melhor maneira de passar um fim de ano, logo a seguir a ficar sozinha em casa (que é uma coisa que faz uma confusão danada a muita gente). O fim de ano é uma convenção como outra qualquer, os anos sucedem-se uns melhores outros piores, a gente vai levando como pode, com a alegria possível apesar dos desgostos que nos vão caindo em cima, apesar das perdas... ora deixa cá ver: se bem me lembro ainda não tive um ano que se possa dizer inteiramente feliz desde 1999. E acho pouco provável que consiga vir a ter um ano como tive muitos, porque as marcas vão ficando, a gente finge que está tudo bem, mas não é verdade, a saúde vai falhando, o país está cada vez mais atrapalhado com o José convencido que é Jesus, realmente foi chato, quem te pôs o nome, mas pronto prospegaram-te com Sócrates e tu ficaste convencido que eras um eleito, e cada vez estás mais convencido que podes fazer tudo o que queres, a malta que se lixe, que pague os impostos, para ires fechando centros de saúde, hospitais e urgências, ainda não percebeste que ainda que se perca apenas uma vida por estas decisões idiotas, já é demais... uma vida perdida é demais, José. E fechas as escolas porque há poucos meninos nas aldeias e parece que não percebes que assim contribuis para que cada vez haja menos meninos a nascerem no interior do país e fechas as maternidades e estás convencido que isso não contribui também para que as mulheres não arrisquem ficar grávidas, afinal andar nove meses a carregar uma barriga por quilómetros infindos de cada vez que precisa fazer uma consulta ou um exame... não me lixes José. Não me continues a lixar José. A malta está farta e não é só porque não há luz ao fundo de um túnel sem oposição que se veja, que podes continuar a desmandar como até aqui.
Deixa de olhar para o teu umbigo José. Todos os dias nos dizes que és muito bom, que nos ajudas muito, etc., etc., começa agora no princípio do ano novo a explicar o que fazes com o dinheiro dos nossos impostos.
Vamos nessa José?

29 dezembro, 2007

Sangue de berona - Cesária Évora (clica aqui)

Sangue de Berona
Sangue de Berona
El é sabe
El é doce
Quem qu're sabê
Si sangue de Beirona é sim' sabe
Ta ba panha
Ê la na fundo di Ladera
Sangue de Beirona
Sangue de Beirona
El é sabe
El é doce
Si bô c'octha'l
La na fundo di Ladera
Bo ta culpa'
Ê quem fazé ess coladera

A paixão

Levanto a custo os olhos da página;
ardem;
ardem cegos de tanta neve.
Faz dó esta paixão pelo silêncio,
pelo sussurro do silêncio,
pelo ardor do silêncio que só os dedos adivinham.
Cegos, também.

(Eugénio de Andrade)

Vade retro satanás.


O fim deste ano vai-se aproximando e vou vivendo cada dia como se fosse o único, o último da minha vida. Vou pensando no entanto no caso haver para mim um futuro, que farei? Um dia destes uma amiga minha comprou um livro ou revista sei lá, sobre o que seria a sua vida em 2008 e como não gostou, anda agora à procura de um outro que a deixe mais animadita.
Eu não creio em signos, quero dizer, não acredito na quantidade de astrólogos de araque que nos rodeiam... sei que o ano está acabando que não posso fazer um saldo positivo do mesmo, que ficará mesmo gravado na estória da minha vida como um dos piores... mas é como diz o outro a vida continua... será que continua mesmo?
Por todo o país se vão fechando urgências, dando assim menos hipóteses de prolongar a vida de alguns de nós... eu bem sei que acredito que só morremos quando chegou a nossa hora, nem um segundo antes, nem um segundo depois... mas o que digo é evidente que não se escreve, ou nunca se teria inventado uma ciência como a medicina para ajudar as pessoas a viverem mais e sobretudo melhor. Há 9 anos deixei de trabalhar no ministério da saúde (é claro que não vou usar maiúsculas, aqui), e uma das razões mais fortes foi o facto de me sentir impotente por falta de meios de auxiliar as pessoas... hoje está tudo muito pior, e quando me falam em voltar à saúde só sei dizer vade retro satanás.

28 dezembro, 2007

Father and son - Danni Carlos clica aqui)

It's not time to make a change,
Just sit down and take it slowly.
You're still young, that's your fault,
There's so much you have to go through.
Find a girl, settle down,
If you want you can marry.
Look at me, I am old, but I'm happy.

A chave inglesa


Era um corpo inteiramente
português.
Transido de ternura
o óleo das suas mãos
protegia-me
o coração.

Não sei que mecanismo
despertava em si
quando chorava,
fazia crescer a relva,
meus dentes indecisos
como crias
corriam e devoravam.

Escreveu-me duas cartas
em cima de um tractor
e nelas descrevia
em frases simples
o modo tortuoso
que me fez traidor.

(Armando Silva Carvalho)

É tudo!


Como me faltas amiga, como me faltas! Por muito apoio que sinta, faltas-me cada vez mais, cada dia mais. Dói-me esta saudade dentro do peito, queria que aqui estivesses, queria que me dissesses o que devo fazer, ainda que depois fizesse o contrário, precisava tanto que me ajudasses que me aconselhasses na entrada deste novo ano em que as nossas vidas vão começar já viradas do avesso.
Tento manter a união entre todos, mas faltas-me... como me faltas!
Falámos hoje tanto de ti, da facilidade com que cada um de nós podia falar contigo, contar toda a verdade, explicar-te motivos, pedir-te conselhos e tu... tu raramente te zangavas. Mantinhas essa postura de amiga, às vezes magoada com alguém, desabafavas e eu entendia... entendia que tu não fosses capaz de te zangar de verdade com ninguém. Tu: o contrário de mim, tu que eras mal vista por muita gente, a quem muita gente incomodava a relação que mantinhas com todos nós, tu que tanta gente tratou como se não existisses (e como tu sentias isso, amiga), mas foste ficando magoada com a vida, com a atitude de muitos que hoje falam de ti como se não te tivessem feito mal nenhum...
Vou ter que tomar uma decisão amiga. Talvez tenha que decidir e faltas-me. Falta-me o teu ombro, a tua sensatez, a tua generosidade.
Faltas-me. É tudo!

27 dezembro, 2007

Funeral de um Lavrador - Chico Buarque (clica aqui)

Esta cova em que estás com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida
É uma cova grande pra teu pouco defunto
Mas estás mais ancho que estavas no mundo
É uma cova grande pra teu defunto parco
Porém mais que no mundo te sentirás largo

A hora da partida


A hora da partida soa quando
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando
as árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.
Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.
(Sophia de Mello Bryner Andressen)

Para sempre!

Hoje o dia até nem estava a correr mal... mas quando ouvi a notícia do assassinato de uma mulher valente, de uma mulher corajosa, de uma mulher capaz de se expor da maneira como se expôs várias vezes (hoje infelizmente foi a última) para cumprir um sonho, o seu sonho, o sonho de ter um país democrático, cedendo muitas vezes quando foi necessário e avançando quando o caminho só podia ser seguir em frente...
Morreu Benazir Bhuto. Hoje, 27 de Dezembro de 2007: um ano como tantos outros: começou mal e acaba mal... e nada de especialmente bom ocorreu, senão para os Josés (o provinciano e o de Bruxelas) para quem foi alcançado um acordo porreiro, pá, a que foi dado o nome de Tratado de Lisboa...
Peço aqui perdão à mulher que hoje foi assassinada. Misturar o seu nome com o de políticos tão medíocres não é sensato, não é inteligente e não é de bom tom.
Tal como Indira Ghandi, Benazir Bhuto foi calada pela violência, que é a única arma dos cobardes, estúpidos, fanáticos, fundamentalistas. Ambas cometeram o erro de terem nascido em terras onde as mulheres valem pouco mais do que um zero à esquerda e onde os homens as consideram um alvo quando sobressaem da mediocridade dos fundamentalistas que lhes lavam o cérebro...
Nem Benazir nem Indira morrerão jamais. Há muitas mulheres corajosas e valentes por esse mundo fora. Mulheres submetidas a sequestro e tortura em n nome de algo que não consigo entender, como por exemplo Ingrid Bettencourt...
É por mulheres com estas que eu tenho orgulho de ter nascido mulher. Elas permanecerão vivas em milhões de corações por esse mundo fora. Para sempre!

26 dezembro, 2007

Essa mulher - Maria Rita (clica aqui)

Tira a roupa, faz a cama, vira a mesa, seca o bar
Ah, como essa louca se esquece
Quanto os homens enlouquece
Nessa boca, nesse chão
Depois parece que acha graça
E agradece ao destino aquilo tudo
Que a faz tão infeliz
Essa menina, essa mulher, essa senhora

Em que esbarro toda hora
No espelho casual
É feita de sombra e tanta luz
De tanta lama e tanta cruz
Que acha tudo natural.

Fui à beira do mar


Fui à beira do mar
Ver o que lá havia
Ouvi uma voz cantar
Que ao longe me dizia

Ó cantador alegre
Que é da tua alegria
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria

Desde então a lavrar
No meu peito a Alegria
Ouço alguém a bradar
Aproveita que é dia

Sentei-me a descansar
Enquanto amanhecia
Entre o céu e o mar
Uma proa rompia

Desde então a bater
No meu peito em segredo
Sinto uma voz dizer
Teima, teima sem medo

(Zeca Afonso)

Respirar Lisboa


Lisboa volta a ser minha. Há uns dias um amigo dizia-me que não tinha raízes em Portugal. Como eu, viveu fora muitos anos (ele diz que durante mais tempo, não sei), sei que amo Lisboa, sei que amo outras cidades europeias, mas digo sempre que a mias bonita é Lisboa. Não é fácil viver em Lisboa... uma cidade que sinto demasiado pequena para a largueza de espaço com que fui criada, mas de qualquer modo, uma cidade bonita, com um rio bonito, com sete colinas que lhe dão o ar de campo de combate, com antigos bairros como Alfama e o Bairro Alto com um encanto muito especial, com sítios lindos para morar como o Alto de Santa Catarina ou o Alto de Santo Amaro.
Infelizmente os lisboetas conhecem pouco de Lisboa. A malta mais nova só conhece mesmo o caminho de casa (na periferia) para o emprego em Lisboa e volta... e é pena, porque Lisboa é mesmo uma cidade que vale a pena, e que há-de morrer um dia destes se ninguém tiver uma ideia brilhante para tornar Lisboa uma cidade viva como por exemplo Barcelona, que mal comparada também tem um bairro gótico fantástico e umas ramblas animadíssimas, para já não falar na oferta cultural da cidade para a qual é claro, e nisto acho que todos concordamos, Gaudi contribuiu grandemente cem dezenas de obras, desde a catedral a pequenos apartamentos...
Isto tudo só porque Lisboa hoje foi mais minha. As férias de muitos e a tolerância de ponto de outros tantos, desertificou a cidade... até se respirava melhor, carago...

25 dezembro, 2007

Sexo e amor - Rita Lee (clica aqui)

Amor é cristão
Sexo é pagão
Amor é latifúndio
Sexo é invasão

Chove. É dia de Natal


Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

(Fernando Pessoa)

O que diz o Papa.


O meu natal é pagão, uma vez que sou agnóstica e o meu deus se chama humanidade... com todos os seus defeitos e virtudes eu continuo a crer na humanidade.
Ouvi o Papa (ainda não percebi porque lhe chamam tantas vezes "santo padre") dizer qualquer coisa como o Natal está a ser subvertido por ateístas. Creio que para o Papa eu seja ateia. Não sou uma vez que creio em algo, ainda que esse algo ou alguém não seja um deus. Mas sou ateia sim, no sentido de não comemorar o natal com o sentido com que foi inventado, isto é o festejar o nascimento de um homem a que os pais chamaram Jesus mas que todos sabemos que não nasceu a 25 de Dezembro. A igreja (não importa se católica se outra qualquer) convencionou que este dia era o de nascimento de Jesus. É claro que Jesus existiu, nunca pus isso em causa, mas claro que não acredito que fosse filho de um qualquer deus, uma vez que não acredito em deus conforme convencionado pelas igrejas, todas e quaisquer igrejas...
Mas nada disto tem verdadeira importância. É claro que não importam a ninguém as minhas convicções... o que me chateia é ver um fulano tão vaidoso como este Papa, vir falar do que não se faz pelos pobres... um homem que se dá ao luxo de ter um costureiro por conta própria, vem falar de dar aos pobres... o quê? Missas? Não me parece que os pobres sejam capazes de participar de uma missa quando estão cheios de fome e frio, quando sabem que não têm um lar para onde se dirigir quando a missa acabar... e no entanto, parece que ninguém se lembra de deixar as igrejas abertas para proteger os sem abrigo... temem o vandalismo, o roubo? Pois contratem seguranças é uma ajuda que dão a um país com mais de 7% de desempregados... mas é claro que falo nisto não só para Portugal mas para todo o mundo... que raio de conversa é esta de "pobrezinhos", vinda de um homem que vive com fausto?
Sabem que mais? Gosto do natal. Do meu natal. Sobretudo porque posso dar lembranças a quem amo, e dizer que me lembro deles todos os dias e que os terei sempre no meu coração... gosto do meu natal pagão, passado em família... agora o que diz o Papa... não se escreve... ou melhor: não escrevo!

24 dezembro, 2007

Futuros Amantes - Chico Buarque (clica aqui)

Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você

Segredo


Nem o Tempo tem tempo
para sondar as trevas
deste rio correndo
entre a pele e a pele
Nem o Tempo tem tempo
nem as trevas dão tréguas
Não descubro o segredo
que o teu corpo segrega

(David Mourão Ferreira)

Ah! o Natal também existe é preciso não esquecer...


Do primeiro recordo as dezenas de papéis colados nas paredes, dizendo coisas como perdoa, amo-te, volta para mim, para sempre, ou simplesmente desenhos de corações entrelaçados... e o desencanto de um fim sem glória mas com alívio.
Do segundo recordo anos intermináveis de paixão, tão intermináveis que cheguei a acreditar que era o primeiro e último amor, coisa muito difícil senão impossível de acontecer... acabou com dor, mas no fim ficou a lembrança de muitos anos felizes e uma amizade profunda.
Do terceiro... bem do terceiro recordo a maior desilusão da minha vida: um chorrilho de mentiras e cobardia que nunca pensei poderem acontecer numa só pessoa. Felizmente durou tão pouco que nem marcas deixou... só um pé ainda mais atrás do que já estava.
Dos outros, todos os outros, os que me amaram e eu pensei que era verdade e eu pensei que podia amar, não ficou nada senão às vezes um vulto na rua que faz com que pense olha que tipo tão parecido com aquele fulano que passou na minha vida.
E é por isso que não quero continuar esta sucessão de estragos. Saber parar em qualquer área da vida é uma arte que se aprende com o tempo. O amor não existe. É uma invenção. A paixão e o desejo esses sim existem são de verdade: como as amizades que duram para sempre, ainda que para sempre seja sempre tempo demais!

23 dezembro, 2007

Tocando em Frente - Almir Sater e Renato Teixeira (clica aqui)

Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Cada um de nós compõe a sua história,
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz

Versos desencontrados




Em nada ou em ninguém
Eu deveria acreditar!
Nem no amor, nem na vida. - As ilusões,
Mesmo até quando vêm disfarçadas
E já conhecem o cliente, hesitam,
E chegam a partir envergonhadas...
As ilusões -
Também têm os seus mais preferidos;
E àqueles que ficaram na ruína
Do pensamento, e são - por graça de conquista
Os pálidos mortais desiludidos,
A esses já não correm muito afoitas
Na mentira das grandes fantasias!
- É por isso que eu hoje ainda vivo
À margem das ridículas tragédias
Que lemos nos jornais todos os dias.


Atulham-se os presídios; no degredo,
Atados à saudade, vão ficando,
- Como lesmas ao luar, esses que matam,
E pelo amor tombaram na desgraça:
- Um sonho, um beijo, uma mulher que passa!
Só a guitarra os lembra ao triste fado
Nos ecos diluídos e chorosos
E fundos do lusíada, coitado!
Eu olho para tudo que enxameia
Nesta viela escura da existência
Como quem se debruça num abismo
E fica revolvendo a consciência
Na tristeza infinita de um olhar!...
- A humanidade é vil e o seu egoísmo
Tem base na vileza de vexar.


Sim;
Por qualquer coisa os homens tudo vendem:
Palavra, dignidade, a própria vida,
Só porque desconhecem a doutrina
Bendita de Jesus; - esse tesoiro,
Essa fonte de luz onde aprendi
A ser leal e amigo e a respeitar
Aquela que nos risos do meu lar
Desembaraça os fios de uma queixa
No mistério que cinge o verbo amar.


Mas quando um ano acaba e outro vem,
Embora a minha fronte e os meus cabelos
Envelheçam na marcha para o fim
E um sabor de renúncia e de cansaço
Vibre, cantando, aqui, dentro de mim,
Rebenta-me no peito uma esperança
Tão lúcida, tão viva, e tão ungida
Na fé que ponho erguendo a minha prece -
Que peço a Deus do fundo da minha alma
Que a todos os que sofrem neste mundo
Dê o conforto de uma vida calma.


(António Botto)

Pelo sonho é que vamos?


Talvez seja porque recebi o email de um amigo poeta que vive em Ontário que decidi que tinha mesmo que falar contigo Joe. É verdade, hoje até vou escrever as maiúsculas, será que sabes o que são, para que possas entender a coisa simples que eu tenho para te dizer... na verdade é aquilo que venho dizendo há muito, que há muito te venho pedindo e como a maior parte das pessoas gosta de mudar de vida quando muda de ano, lembrou-me se não estarias agora disposto a pagar umas aulinhas de português querido Joe.

Todos já percebemos que uma das tuas intenções para o novo ano é continuar a aparecer sempre, o mais possível, a propósito seja lá do que for... só que a gente gostava de perceber o que dizes, Joe... já te disse isto acho, mais do que uma vez, tens tanto dinheiro, uma espécie de museu só para mostrares o dinheiro que gastaste em arte, muitas acções no maior Banco português, que diabo, considera isto como uma espécie de investimento, na verdade é um investimento que fazes em ti, para que um dia os teus netos quando virem os vídeos que hás-de ter guardados de ti, a falar de coisas tão importantes, como arte e Benfica, mais um Banco que está assim a modos que enrascado em trapalhadas, possam rir e dizer, oh avô tu sabias mesmo gozar com a malta, que querias dizer com aquilo, porque não respondeste às perguntas dos jornalistas de modo a que se percebesse? Foi mesmo para a malta ficar baralhada não foi?
Porque se seguires o meu conselho Joe, vais ver que num repente vais passar a poder expressar-te em português... de modo a que todos possamos perceber se tens mesmo alguma ideia nessa cabeça. E vais poder aparecer todos os dias nos telejornais (a abrir) como gostas, com esse ar bonacheirão e feliz de quem afinal, só está mesmo interessado nos netos...

22 dezembro, 2007

Mas Amor - Mayra Andrade (clica aqui)


Esta é especialmente dedicada aos meninos de rua de todo o mundo.

Cores puras


Não há cores puras: azul em nuvens
cinzas e o prata das luzes de mercúrio
confundem-se

A árvore toca o céu numa beira,
precipício

E uma placa,
aqui, é proibido jogar lixo

A árvore mínima se projeta
na atmosfera à beira de um barranco

Os troncos contra um fundo de listras:
árvore no fim da tarde em ramos

A casa se avista com telhado
junto à terra,
casa-árvore

A casa com um telhado-morro
e com alguém no interior

A mesma casa se vê, lateral
branca, triângulo sobre retângulo

De repente,
semicírculo
como uma lua que se precipita

Estrada curva que desaparece,
sobre um morro verde desaparece
na paisagem

Estrelas agora são personagens

(Régis Bonvicino)

Não me arrependo de nada

O Natal está à porta e mais um ano também... enquanto caminho calmamente como sempre que possível (e posso quase sempre...), vou fazendo o balanço de um ano que não foi generoso comigo, mas com certeza outros terão mais razões de queixa, é preciso avançar sempre... perdi logo no início do ano uma grande amiga, uma grande camarada, alguém que parecia ter consigo toda a generosidade do mundo... alguém em quem penso todos os dias (vou só ali acender uma vela por ela e volto já)...
e tive que tomar pelo menos três decisões difíceis, duas delas mesmo muito difíceis, mas por muito doloroso que seja tomar certas decisões é melhor do que deixar arrastar situações pouco claras, fazer de conta que confiamos em alguém em quem deixámos de confiar, alguém que trai a nossa confiança, por muito doloroso que seja, a única coisa a fazer é mesmo desligar...
e acompanhada por estes pensamentos sigo a minha caminhada, desta vez trago a câmara comigo e tenho bateria (balha-me deuje, pelo menos hoje não esqueci de a trazer comigo, fiel companheira de todos os momentos)...
não me parece que deva esperar algo de muito diferente no próximo ano... a vida repete-se. só espero não ter que tomar mais decisões difíceis para ter a minha tranquilidade assegurada, como hoje, aqui e enquanto caminho, completamente em paz porque não me arrependo de nada...

21 dezembro, 2007

Yolanda - Simone e Pablo Milanés (clica aqui)

Se alguma vez
Me sinto derrotado
Eu abro mão do sol de cada dia
Rezando o credo
Que tu me ensinaste
Olho teu rosto e digo à ventania
Yolanda, Yolanda

País do meio-dia


Atravessado pelo zumbido de um único ruído de carros
e pela música infinda de uma estação de rádio
o vazio do meio-dia

A cidade uma configuração constituída
por rede de aço e estruturas de betão

Atrás das gruas brilha
a água da bacia portuária
indolente em todas as cores de óleo usado

As ruas varridas
pelo sol recozidas

O apressado asfalto da cidade
um caminho de fuga
para a paisagem pedregosa

Uma língua quente rasga o corpo em suor

As cores são pó
não pó
são pedras

(Bruno Wheinhals)

porque nos perdemos meu amor


o paredão está quase deserto, não sei se as pessoas tiveram medo dos pingos se já partiram de férias, e não me interessa essa é que é a verdade, gosto de ter o paredão assim, como se fosse só meu, o mar alterado, galgando e molhando-nos (sim, porque é claro que tu estás comigo), tu não achas muita graça, passas para o lado de dentro e dás-me o lado do mar, dizes que eu continuo a ser a menina que conheceste e por quem te apaixonaste há mais de 30 anos, como o tempo passa, não nos apercebemos, eu não me apercebo, é certo que já fiz 50 mas muitas vezes não sinto o peso da idade, aliás não sinto peso nenhum, sobretudo quando caminho assim contigo, junto ao mar, com paredão só para nós... mas afinal percebo que o paredão está vazio porque as pessoas, como é tradição em Portugal, deixam tudo para o último instante, quanto mais tarde melhor, se as coisas falharem a culpa não é delas é dos outros, dos poucos que se dignaram fazer as compras com tempo, deixar tudo organizado, para não entrar numa de stress, para ter tempo para atender uma chamada de última hora, um convite inesperado, o tempo que nos deixa com tempo para tudo, a falta de tempo que as pessoas têm de que se queixam e eu não, aprendi há muito a ter tempo para tudo, até para chorar enquanto caminho, afinal a sós, quem me acompanha é a tua lembrança, mas é como se fosses real, como se estivesses aqui comigo, como se me ditasses agora o que escrevo.
porque nos perdemos meu amor?

20 dezembro, 2007

Casa no Campo - Elis Regina (clica aqui)

Eu quero a esperança de óculos
Meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros
E nada mais

Motivo


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

(Cecília Meireles )

Muito obrigada...


vou caminhando em direcção a casa e o ar frio da noite faz-me bem, acalma a saudade que sinto dos tempos em que conseguia juntar todos os meus filhos na noite de consoada. isso deixou de acontecer e nunca mais foi natal. o meu natal acabou, não passa de uma noite de convenção em que me sinto ano após anos mais triste sobretudo quando penso naqueles que não têm um natal para lembrar, daqueles que o lembram dormindo embrulhados em jornais em vãos de escada e apetece-me juntar-me a eles e dizer que também o meu natal não existe, mas eu tenho um tecto como posso dizer uma coisas destas? porque não tenho a coragem suficiente para lhes dar abrigo, eu sei que não posso salvar o mundo, mas salvar um se calhar já não seria mau... porque não consigo fazê-lo... então penso na relação que o meu filho que neste momento está em Itália tem com os sem abrigo de Lisboa a quem trata pelo nome próprio, porque os conheceu quando colaborou com a Cais... lembro-me tanto de ti filho, da tua generosidade, da tua capacidade de deixares tudo para dar a alguém que esteja pior que tu... lembro-me tanto de ti e as lágrimas vêem-me aos olhos, a saudade é mais do que muita e então entro numa florista, compro uma rosa, subo a rua e procuro a casa da tua professora Dulce, que já está reformada, digo-lhe que vou em vez de ti este natal, porque não estás cá para lhe ires dar um beijo e sobretudo vou por mim, para agradecer o bem que ela te fez, para que ela saiba como o seu trabalho foi glorioso contigo e com centenas de outros meninos a quem ela ensinou não apenas as letras e as contas mas também a viver... e ela diz que se lembra sempre de ti, que eras um bom rapazinho, embora o mais traquina de todos, mas atento enquanto na sala de aula ela ensinava tudo o que sabia, tudo o que devia...
aqui fica o meu obrigada professora Dulce, mais uma vez. chorar no seu ombro fez-me bem embora continue a chorar neste momento, e faz-me tão bem porque é tão raro... muito obrigada professora Dulce. muito obrigada a todos os professores que souberam cumprir a sua missão como a senhora... muito obrigada!

19 dezembro, 2007

O leãozinho - Caetano Veloso (clica aqui)


gosto de te ver ao sol leãozinho
de te ver entrar no mar
tua pele tua luz tua juba
gosto de ficar ao sol leãozinho
de molhar minha juba
de estar perto de você e entrar numa

Versos íntimos


Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te a lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera
Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa ainda pena a tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga.
Escarra nessa boca de que beija!
(Augusto dos Anjos)

abaixo os gaurda chuvas! viva a chuva!


finalmente chegou a chuva quando muita gente já começava a desesperar... claro que nas cidades as pessoas não lhe sentem a falta, acham um estorvo, a maior parte das vezes, a mim o que estorva são os guarda chuvas e depois como cada vez sou mais socialmente incorrecta caminho ao lado de alguém com guarda chuva que tenta fazer a gentileza de me abrigar e eu nada, afasto-me as pessoas até hão-de ficar a pensar coisas do tipo será que cheiro mal?
o que se passa é que eu gosto de chuva, gosto de apanhar com a chuva no corpo, lava-me a alma, afasta os meus desgostos, põe-me mansa... por isso, desculpem lá, mas realmente eu detesto os guarda chuvas de verdade... se eu tiver necessidade algum dia, faço como o Sepúlveda, entro num bar, peço um café, quem sabe faço um amigo... a chuva devia servir para aproximar sempre as pessoas... e aproxima. o que me afasta são mesmo os guarda chuvas...
que raiva, as pessoas a saírem do metro a baloiçarem os guarda chuvas, quando não se sentam ao nosso lado, deixando o respectivo instrumento de tortura a pingar os pés dos outros passageiros e até a roupa...
vou abrir uma subscrição para fundar o movimento anti guarda chuvas que para além do mais até podem servir como arma e portanto serem considerados instrumentos terroristas.
abaixo pois os guarda chuvas... e viva a chuva!

18 dezembro, 2007

Babooshka - Kate Bush (clica aqui)

She wanted to test her husband.
She knew exactly what to do:
A pseudonym to fool him.
She couldn't have made a worse move.

Varanda


A terra hoje é uma varanda
sobre um jardim de Matisse
um claro degrau de pedra nua
no interior de um poço
rodopiam as cores na água cintilações, folhas, frutos, sargaços
raízes, e perto talvez os teus passos.
(Maria João Fernandes)

à filha de Pepe, mais uma vez


pois é, às vezes somos nós que fazemos a vida mais fácil ou mais difícil. relativizar é uma boa maneira de levar a vida em frente, dando importância às coisas e gente que realmente valem a pena. cada um é como é e sempre que estou com afilha de Pepe chegamos à conclusão que somos tão unidas porque somos como metades diferentes de uma laranja ou se calhar até são laranjas diferentes, isso agora pouco importa, onde é que eu já ouvi isto, peço desculpa se estou a plagiar, mas se o faço é sem intenção, portanto se quiserem processem-me que eu até já estou a gostar de tribunais, aparecem sempre uns tipos que não sabem muito bem o que foram lá fazer, vejam lá onde eu já vou, quando tudo o que queria dizer é que a filha de Pepe fica sempre admiradissima porque eu não programo coisas, faço-as, enquanto ela assenta tudo o que tenciona fazer mas depois não faz nada...
é este um dos lados dela a que eu acho imensa piada, porque eu não gosto de programar coisa nenhuma, dá-me na telha e faço, e ela tem tudo assente num caderninho, as coisas que tem que comprar para executar alguns dos seus projectos... e fica pelos projectos...
mas atenção hoje fiquei sabendo que R a fez avançar, fazendo com que ela deitasse fora uma série de jornais e revistas que se iam amontoando até ao tecto.... quando eu lhe disse, fizeste muito bem, parabéns, o papel é das coisas que mais atrai bicharada e para além disso que interesse têm as notícias de há 10 ou 20 anos, se até as de ontem já passaram de moda...
que bom ter-te como amiga... obrigada Pepe por me teres dado assim a amizade da tua filha muito amada.

17 dezembro, 2007

Beira Mar - Maria Bethânia (clica aqui)

Dentro da dor a canção
Dentro do guerreiro flor
Dama de espada na mão
Dentro de mim tem você

O rompimento à beira da lágrima

Enquanto a vela respirava,
Ela suspirava elan-
guescida.

Que esvasiava ela com a vela?
Que enchia eu com ela e com a vela?

Tão efluvial, meu deus, a despedida!

No empranchado dessa fragata,
numa panela (ou nessa lata?)
a caldeirada
(ao lado, o vergas com o vinho)
que um ganga acocorado, enquanto assobiava,
mexia com um pauzinho

(Alexandre O'Neill)

Mais uma do país que temos...


Pois é... se os 23 marroquinos que acostaram à ilha da Culatra no Algarve (pelos vistos por engano, porque queriam mesmo era ira para Espanha) soubessem que neste país se deixam morrer à fomes dezenas de suínos, nem sequer se teriam preocupado em se esconder nas dunas da praia... teriam feito algo mais género Vanessa Fernandes e teriam ido a nado para Isla Cristina...
É triste eu estar para aqui a brincar com isto, mas mais triste é ver animais morrer à fome... ouvi ontem o proprietário da exploração onde morrem os ditos bichos (e os que ainda não morreram sobrevivem comendo os irmãos de raça que já morreram), explicar que o que se passa é que ele tem outra exploração daquele género (vi por lá também gado bovino e caprino, mas esses se calhar ainda se safam com as pastagens porque se estivessem à espera de ração também já estariam a morrer), é ele sozinho a dar conta de tanto trabalho...
O homem está bem psíquicamente ou está a brincar com a gente? Então em pleno Alentejo, onde o desemprego é mais que muito, porque é que ele não contrata os empregados suficientes para manter as explorações em bom estado? Será que ele pensa que poupando uns saláriozitos fica rico? Mas afinal quem é este homem? Um extraterrestre?
Tenho a certeza que os 23 marroquinos que chegaram a Portugal num barquinho que me pareceu mais uma chata do que qualquer outra coisa, não se teriam enganado no rumo se soubessem que neste país, até se deixam morrer à fome os porcos...
Mas que grande suíno, balha-me deuje (o proprietário, claro!)

16 dezembro, 2007

Musica Nova - Danni Carlos (clica aqui)

Eu te escolhi pra andar comigo
Sempre te vi como meu amigo
Como meu amigo
Seu olho sempre me seguindo a noite
Eu do seu lado mal sabendo dessa historia
O vento soprava o seu cabelo
Seu jeito derrama minha bebida
Que eu não vou embora
Sem você comigo

O mundo completo


Estes gestos de vento,
estas palavras duras como a noite,
estes silêncios falsos,
estes olhares de raiva a apertarem as mãos,
estas sombras de ódio a morderem os lábios,
estes corpos marcados pelas unhas!. . .

Esta ternura inventando desejos na distância,
esta lembrança a projectar caminhos,
este cansaço a retratar as horas!...

Amamo-nos. Sem lírios
sobre os braços,
sem riachos na voz,
sem miragens nos olhos.

Amamo-nos no arame farpado,
no fumo dos cigarros,
na luz dos candeeiros públicos.

O nosso amor anda pela rua
misturado ao buzinar dos carros,
ao relento e à chuva.

O nosso amor é que brilha na noite
quando as estrelas morrem no céu dos aviões.

(António Rebordão Navarro)

A paz do mar revolto...


Enquanto caminho junto ao mar, olhando as ondas que hoje estão boas para o surf, vou pensando na sorte que tenho, no privilégio de poder fazer estas caminhadas com tanta frequência, na sorte de não ter nenhum problema grave (pelo menos que eu saiba) de saúde, em ter uma família que se ama, embora vivamos todos um tanto afastados, mas isso também tem um lado bom que é o facto de nos levar a sentir saudades e a curtir cada um dos momentos em que no encontramos... quando nos encontramos, claro. É mais fácil amar quem está longe de nós, pelo menos pra mim que sou uma solitária e que gosto d ter o meu espaço, onde deixo entrar de quando em vez os amigos amados.
E vou caminhando junto ao mar e reparo numa rapariga sentada no paredão como as pernas em direcção ao mar... vejo-a de longe e quando me aproximo reparo que está a chorar, quase paro para lhe perguntar se precisa de ajuda mas de repente percebo que é provável que a única ajuda de que ela precisa é estar ali sentada a chorar, virada para o mar... quantas vezes já o fiz e depois é como se renascesse de novo...
Por isso continuo a minha caminhada, sem sequer me voltar para trás para não perturbar o momento que aquela rapariga está a atravessar e quase certa de que no fim, quando se levantar dali e procurar o caminho de casa, terá alcançado uma paz que eu não seria com toda a certeza capaz de lhe proporcionar...

15 dezembro, 2007

Geni e o Zepelim - Chico Buarque (clica aqui)

De tudo que é negro torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato

Um verso vem


Um verso vem. Calculo o peso da neblina
que envolve o seu teor, o preso ritmo
da esfera em movimento: cerro o olhar na alma tensa
que ao longo do percurso mais ensina. O verso
vem por si em si da imagem que vier
no imaginar do corpo em sua ascese leve, peso
de uma estrutura fina ao seu redor.

Um verso vem. O olhar na alma mais se inclina.

(Luís Adriano Carlos)

E esta hein?


Manuel de Oliveira fez no passado dia onze, 99 anos e continua a trabalhar. Óscar Niemeyer faz hoje 100 anos e continua a trabalhar. Ambos completamente lúcidos com discursos coerentes, pergunto-me quantas pessoas terão a capacidade de chegar a esta idade desta maneira tão bonita... é que eu tenho 50 anos e como dizia a minha bisavó já vou ficando um pouco desapercebida... é claro que há sempre umas ajudas que a gente pode procurar para melhorar o desempenho, mas estes dois homens são duas lições de vida, tal como foi Fernando Pessa que não fosse o azar de ter caído, se calhar ainda por cá andava, mas como dizia o meu pai, a nossa hora está marcada quando a gente nasce e não há nada a fazer... só vamos quando temos o dia marcado... tomara que estes dois homens ainda durem muitos anos... para podermos ter lições como esta que Niemeyer nos dá quando diz uma coisa que todos nós sabemos mas que tentamos ignorar: a vida não é fácil, é preciso tomar posição, é preciso ter convicções e segui-las até ao fim do mundo... a vida não é fácil, o mundo das amizades e da família é muitas vezes o mais difícil pelas decepções que nos acarreta todos os dias....
O que te desejo hoje Niemeyer (há pouco tempo assisti a uma entrevista feita a este fabuloso arquitecto pela também fabulosa Ana Sousa Dias, é que a vida te permita concluir os 10 projectos em que ainda estás empenhado, para que se juntem às 600 obras com que já nos brindaste.
E esta hein?

14 dezembro, 2007

Começar de Novo - Paula Santoro (clica aqui)

Começar de novo e só contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Sem as tuas garras sempre tão seguras
Sem o teu fantasma, sem tua moldura
Sem tuas escoras, sem o teu domínio
Sem tuas esporas, sem o teu fascínio

Apalpa um violino


Apalpa um violino
com teus dentes.
Corrige a corriqueira
soma dos acordes.
Medicamenta o mundo.Ó bruxo semanal
com teus abutres, teu mocho
dado à gula dos mistérios,
quem paga esta consulta?
quem sobe, arfando, os degraus
da febre? Teu beijo muge
a tua boca sangra
o teu pescoço azul
desponta no meu peito.A esta hora exacta
os deuses
parem
em lugares recônditos.
Seus ovos lentos
crescem
no coração dos tontos.Refreias toda a fala
sustenida
e os campos taciturnos
nem se movem.

Ó mago indolente
entre os meus dedos.Cabrito pouco astuto
em devaneios. Os animais famintos
Com seu crespo ondular
Percorrem-te os inventos,
E nós,
Os instrumentos.

A rede musicada
Das tuas mãos de merda.

(Armando Silva Carvalho)