31 dezembro, 2006

Cheira a café


Uma noite escrevi o teu nome
num café
a cafeteira adormece breve
mesmo ao pé

O mar que passa
pela vidraça
senta-se à mesa
cheira a café

Não me enjeites quando te escrevo
o que à memória me vem
contas contadas, contas da história
que a ninguém devo, a ninguém

Já não vejo razão para calar
as múrmures águas na areia
sobre a praia a maré cheia
enche toda antes de vazar

A noite dura para além da tarde
cerveja com levedura .
vaga de espuma entre o meio dia
calma a garganta que arde

O tesouro no ventre do mar
não será para quem mareia
como é bom dormir, acordar
preguiçar em branca açoteia

O sentido que eu tive da vida
num café
o que foi certo para mim um dia
já não o é

O mar que passa
pela vidraça
senta-se à mesa
cheira a café

Cão vadio, cão sem raça
pela rua a vaguear
candeeiro de luz baça
café moído a exalar

À noite os casais devassam
os enigmas duma luz mansa
os sonhos idos de criança
como farrapos soltos que passam.

(João Afonso Lima)

É a vida...


A foto aqui ao lado tem pelo menos 30 anos e foi tirada nos Açores, na ilha de S. Miguel. Apeteceu-me postá-la aqui hoje para me lembrar de que a solidão é uma coisa que dói e eu senti-me muito só nos Açores, rodeada de mar por todos os lados.
Era muito nova, estava longe da família, tinha poucos amigos e os que tinha, tinham as suas famílias com quem passar natal e fim de ano. Ainda por cima eram quase todos "continentais" e não ficavam por lá a passar as festas.
Eu não estava sózinha, tinha os meus filhos, mas a solidão doía-me... levou uns anos até que aprendesse que não voltaria à minha terra, que os meus filhos seriam criados em climas com quatro estações e que nunca teriam a liberdade que eu tive, só porque não beneficiariam de um clima tropical. Levou uns anos até perceber que nunca estive só. E outros tantos até desejar estar realmente só como estou hoje. Só, mas não solitária, sem a dor e a angústia que a solidão provocam. Estou no conforto da minha casa, rodeada dos meus livros e ouvindo a música que eu quero ouvir. Não sou obrigada a fingir que estou feliz só porque se acaba um ano... amanhã é outro ano, é verdade, mas e então? É apenas outro dia. O que tem de bom é que é feriado e é mais um dia sem horários. Um daqueles dias que dão sentido ao facto de termos dias de semana, dias de trabalho e que se não fosse por isso, nem sequer lhes daríamos importancia... Tenho a certeza de que se algum dia chegar a aposentar-me os dias serão todos fins de semana ou feriados ou férias... Perderei a noção do que é um feriado ou um fim de semana, porque estes só fazem sentido quando se tem uma semana de trabalho pela frente. São coisas a que só damos valor porque temos o inverso nas nossas vidas.
Agora quero aqui expressar a minha indignação pela hipocrisia do chefe da igreja católica, que acha que as pessoas não devem festejar esta data. Porquê? Porque estão a fugir à realidade? E o que faz o senhor do Vaticano, um dos estados mais ricos e poderosos do mundo em prole da pobreza? Discursos? Não será isto também uma forma de fugir à realidade? Se há coisa que me põe fora de mim é a hipocrisia e a incoerência! Verdadeiramente!

Nunca o verão se demorara


Nunca o verão se demorara
assim nos lábios
e na água
- como podíamos morrer,
tão próximos
e nus e inocentes?

(Eugénio de Andrade)

O Herói e Alice




O Herói e Alice são dois filmes que vi ontem, ambos falados em português. Muitos de vós já viram concerteza Alice, que é baseado na história trágica de Rui Pedro, o menino que desapareceu há anos e, embora pareça até ter aparecido em fotografias em revistas do tipo "high society", a verdade é que nunca mais os pais o viram. Não é a primeira vez que falo aqui deste caso. Na verdade é um dos meus desconsolos, chegar ao fim de mais um ano sabendo da dor daquela mãe. Porque pior que ter um filho morto, é, sem dúvida, ter um filho desparecido. Um filho que não se sabe que horrores estará a passar, um filho que não se sabe se alguma vez se voltará a ver... embora eu pense que Filomena, a mãe do Rui Pedro tenha a certeza de que ela há-de aparecer um dia e que ela poderá abraçá-lo e beijá-lo. Mas nunca poderá fazer com que todos estes anos em que esteve desaparecido, sejam recuperados. Filomena e Rui Pedro são duas pessoas em que penso frequentemente com muito carinho e se tivesse alguma religião pediria por eles em todas as minhas orações. Como não acredito, penso que um dia o sofrimento desta mulher há-de acabar. E espero que acabe com o reencontro do seu filho, são e salvo e que ele possa esquecer algum dia, todos os anos que viveu fora do carinho da sua família, da paz e da segurança que esta mãe extraordinária lhe dedica.

Alice é pois a estória de uma menina desaparecida e da obssessão do pai em encontrá-la. É a estória da solidão deste pai que a pouco e pouco vai sendo abandonado à sua obssessão de encontrar a filha. Depois de colocar câmaras por toda a cidade de Lisboa e de visualisar centenas de vídeos ele julga ter reencontrado Alice. Mas não é Alice a menina que ele persegue pela cidade de Lisboa. E fica cada vez mais só, com uma mulher a quem o desepero empurra todos os dias para o suicídio. É a estória da obssesão de um homem para encontrar a sua filha e também a estória de milhares de pessoas que vivem na solidão embora no meio de multidões. A estória do atordoamento a que as pessoas se entregam para fingirem que não estão sós... é uma estória do dia a dia de Lisboa e das cidades como Lisboa. É uma estória vulgar, mas muito bem contada, muito bem interpretada, que me deixou um nó na garganta. E foi preciso deixar passar umas horas para vos poder falar do filme.

O Herói é o primeiro filme do realizador angolano Zezé Gamboa. Conta-nos a estória de Vitoriano, (interpretado por Oumar Makena Diop, um actor senegalês), um herói de guerra, que passou 20 anos a combater. Foi apanhado com 15 anos para fazer a guerra e quando esta estava praticamente terminada é apanhado por uma mina que o deixa sem a perna direita.

De regresso a Luanda e após meses de espera lá consegue uma prótese. Procura emprego por todo o lado, mas ninguém lhe dá uma oportunidade. Acaba por ser roubado numa noite de bebedeira (levam-lhe a prótese e a condecoração de guerra) e acaba por ir viver com uma prostituta que se apaixona por ele. Uma feliz coincidência faz com que conheça a professora Joana (Patrícia Bull) que tem amigos influentes e que com um simples programa de rádio faz com que ele recupere a sua prótese e assim, a sua liberdade. Pelo meio conta-se a estória dos cotidianos de Luanda, onde existe muita gente a trabalhar honestamente e muita outra a viver de esquemas, de roubos... contam-se também estórias de amor e de luta e de caracter... E muitas estórias de solidão, de adultos e de crianças.

Um filme que apanhei por acaso, ontem na RTP África e que me mostrou durante cerca de duas horas, imagens da minha terra. Um filme que me trouxe muitas saudades dos fins de ano com calor e dança até de manhã, quando caíamos esgotados na areia, depois de um bom mergulho no mar. Mas independentemente de tudo isto, um filme que não me lembro de ter visto anunciado no circuito comercial, apesar de ter ganho o prémio do júri para o melhor filme estrangeiro no festival Sundance de 2005 no EUA.

Feliz Ano Novo

A esta hora já começou um novo ano noutras partes do mundo. Já se despediram de 2006 na Austrália. Não sei se contentes ou não. Ou o mais provavel é que alguns contentes outros nem por isso.
Por cá será da mesma maneira. Despeço-me de 2006 com alguma dor, uma vez que foi um bom ano para mim. Deixei de fumar sem grande dificuldade, criei este blogue e por causa dele fiz mais um amigo, nasceu o Daniel que é o meu neto emprestado que amo muito, estive com amigos ao longo do ano, não estive doente, tomei decisões importantes... enfim, a coisa não me correu às mil maravilhas, mas não me posso queixar: o saldo é positivo. É claro que sofri pelos meus amigos em dificuldades, pela minha família, mas no fim a minha Rita está há três dias em Macau o que não será com certeza um mau final... A China há-de trazer-lhe o equilíbrio de que necessita para encontrar o seu caminho na vida.
Vou passar o fim de ano completamente sózinha. Pela primeira vez na vida. Foi difícil conseguir esta proeza mas consegui! Preciso de estar só comigo. Não me quero distrair com foguetórios e passas de uva e champagne. Quero estar bem comigo no fim de um ano que antecede outro que não me parece que seja melhor que 2006. Quero estar só comigo, a olhar o mar da minha janela.
Eu sei que a maioria das pessoas não me entende e até me leva a mal. Mas como já aqui disse várias vezes, já não tenho idade para fazer fretes. Faço apenas o que me apetece e se o que me apetece é estar só, pois é assim que ficarei. Estar só não é o mesmo que viver em solidão. Eu estarei muito bem aqui, deste lado da tela, pensando em vós e sabendo que muitos de vós estarão pensando em mim. O amor não nos é uma coisa estranha. É apenas um pouco diferente do que aquilo que se imagina.
Por isso, peço apenas a 2007 a mesma saúde que tive em 2006, uma dose acrescida de paciência para ir aturando os chatos que de vez em quando me aparecem, assim como se viessem do nada e que continue a manter meu posto de trabalho que é das coisas a que mais valor dou nesta vida: sem trabalho não seria nada. Só espero que os meus piores pesadelos não se concretizem e não continue a ver esta onda de desemprego que me persegue de dia e de noite.
Para os meus amigos peço que os seus desejos sejam concretrizados... quaisquer que sejam. E quero que sejam felizes.

30 dezembro, 2006

Onomatopeia


Menino franzino,
Quase pequenino,
Pequenino, triste,
Neste mundo só...,

Menino, desiste
De que tenham dó!

Desiste, menino,
Que o mundo é cretino...
Deixa o teu violino,
Toca o sol-e-dó.

Cada teu suspiro
Cai ao chão no pó...
Canta o tiro-liro
Tiro-liro-ló.

Deixa o teu violino,
Que não te é destino.
Desiste, menino,
De que tenham dó!

Menino franzino,
Triste e pequenino,
Pequenino, triste,
Neste mundo só...,

Menino, desiste!
Toca o sol-e-dó.
Canta o tiro-liro, repipiro-piro,
Canta o repipiro, tiro-liro-ló.

(José Régio)

Como gente de bem


A sentença de morte a que foi condenado Saddam Hussein, foi cumprida hoje. Fiquei com a impressão de que a coisa foi mesmo feita muito à pressa, porque o mundo ocidental clamava contra esta sentença.
Realmente, condenar à morte um homem porque matou é igualarmo-nos a ele. Pela lógica aplicada, os juízes que o condenaram à morte, bem como o carrasco que executou a pena, deviam também ser mortos por enforcamento... e assim sucessivamente: até que não sobrasse sobre a Terra senão gente honesta e coerente que se recusasse a prestar um tal serviço à humanidade.
O mais curioso é realmente o facto de terem condenado à morte um homem num país onde foi abolida a pena de morte em nome da democracia, quando foi invadido pelos USA e seus aliados. Naturalmente esqueceram-se de escrever que era apenas abolida a pena de morte para os invasores e não para o povo iraquiano.
Pode parecer aos mais fundamentalistas que estou aqui defender Saddam. Não. Não estou. Não defendo ditadores, não defendo assassinos, mas quem sou eu para condenar quem quer que seja à morte? E depois isto acaba por ser um alívio para ele. Foi o fim, acabou-se. Não será sujeito a novas humilhações. Morreu com certeza sem medo porque acredita ser um herói. Morreu gritando "viva o Islão" e abaixo tudo o resto. Para ele, como para todos os muçulmanos fundamentalistas o paraíso é agora e ele foi levado rapidamente para o seu paraíso.
Não me parece pois, que lhe tenha sido aplicado qualquer castigo. Fizeram-lhe um favor. Morreu como um mártir da sua causa e como tal fará muito pior morto que vivo. Os ataques no Iraque já redobrararam de intensidade. É a resposta dos seus seguidores a esta execução.
Quando será que os senhores do mundo compreenderão que a violência só gera mais violência?
Infelizmente não me posso orgulhar do mundo em que vivo. Mas não quero deixar de mencionar aqui a posição sensata do Ministério dos Negócios Estrangeiros Português que se manifestou ainda ontem contra a execução da pena a que foi condenado Saddam.
O seu a seu dono. Neste caso o governo português portou-se como gente de bem.

29 dezembro, 2006

Põe a tua mão


Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo...
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo.

(Fernando Pessoa)

Dias perfeitos, e não só.


A fotografia acima foi tirada num dia perfeito. Um dia de fim de semana prolongado que aproveitei para estar com amigos. Em que aconteceu fazer mais um amigo. Mas é claro que nem todos os dias são perfeitos e há sempre, uns mais perfeitos que outros.
O dia de hoje foi um dia difícil: porque não vi o sol e não tive tempo para observar a forma das nuvens. Porque começou com o facto de não saber das chaves de casa e continuou com o início de um dia de trabalho que eu desejava diferente, pois que era o último dia da senhora M no emprego oficial.
E não lhe pude dar toda a atenção porque uma colega teve uma cidente de trabalho, caindo num lanço de escadas, batendo com a cabeça na parede e desmaiando de seguida, o que me obrigou a tomar uma série de providências imediatas, porque as pessoas que apareciam não reagiam de um modo prático. Liguei pois para o 112 dando o melhor que podia as informações que me eram pedidas, pedindo ao chefe de equipa da colega que preenchesse os formulários necessários para que ela chegasse ao hospital como acidentada de trabalho e não viesse depois a ter problemas com o facto de ter que ficar ausente do emprego, telefonando ao marido da colega logo que as socorristas me disseram para que hospital a transportariam, sem o alarmar, porque não há nada pior que um marido alarmado para complicar situações deste género...
No meio de tudo isto a senhora M apareceu para se despedir de mim: a chorar, a pedir desculpas por algo que não tivesse ficado como devia, enfim, coisas típicas da senhora M. Espero que ela apareça a fazer uma visita por estes dias para poder despedir-me dela com a atenção, o carinho e o cuidado que ela merece.
Mas, se há dias completamente perfeitos, não há dias completamente imperfeitos.
Depois de ter lavado toda a louça que tinha na máquina de lavar porque a torneira de segurança da mesma está avariada e a pessoa que chamei para a arranjar ficou de aparecer há dois dias e até agora, nada (se fosse um funcionário público, aqui d'el rei, não faltaria), tomei um duche bem quente e mal me sentei no sofá para ver as notícias das 19, recebi uma chamada do meu queridissimo EGV que parece que é desta que se vai dar o prazer de postar aqui no meu tempo, que faz tempo deixou de ser meu e passou a ser nosso. E espero que ele contribua com a sua escrita para este blogue, não muito frequentemente que conheço bem a falta de tempo que tem (mas eu também nunca pensei dedicar tanto tempo a isto quando comecei: mas tomei embalagem e pronto, aqui estou quase diariamente, e já vamos com mais de 500 postagens... em sete meses não está mal, pois não?). Fiquei contente porque se deu ao trabalho de ler todas as postagens desde o início e por ter percebido que também ele gosta do blogue e que não conhecendo o Eduardo Aleixo me disse que ele tinha nome de poeta e quando eu respondi "ele é poeta", concordou comigo.
Pois cá te esperamos. Mais um Eduardo.Se eu sonhasse que isto vinha a dar nisto tinha dado outro nome ao blogue. Mas ainda bem que não sabia, porque teria concerteza saído uma eduardice!
Sê bem vindo amigo de ontem, de hoje e de sempre! Porque se partilhámos muita estrada juntos temos ainda muita estrada pela frente a percorrer.
Beijos para os meus Eduardos.

28 dezembro, 2006

Soneto da separação


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

(Vinicius de Moraes)

Lisboa volta a ser minha.

Por estes dias Lisboa volta a ser minha. Sossegada, sem pressas, sem trânsito, sem hora de ponta... uma capital europeia que se torna capital de provincia. É assim que eu gosto de Lisboa. É por essa razão que nunca tiro férias nestas alturas. Gosto de me mover em sossego, sem magotes de gente a esmagar-me nos transportes públicos (se bem que rararamente me aconteça uma vez que não faço parte das pessoas que se deslocam em "horas de ponta").
De qualquer modo é interessante inventar jogos para estes dias. Hoje decidi observar as expressões faciais de quem estava na mesma carruagem de metro que eu. Usei a minha máscara ausente número um, para que ninguém se apercebesse de que eu estava a observar. Afinal em todos nós existe um "voyeur"?... será? em mim existe concerteza.
E observei dois homens que conversavam. Não os ouvia porque tinha os auscultadores nos ouvidos mas percebia a conversa (não, não vou contar aqui), pelas expressões e pela quantidade de gestos que utilizavam. Sobretudo o mais novo, parecia falar com as mãos. Eram mãos irrequietas, mãos de trabalho, mãos que se queriam mostrar. O mais velho de vez em quando, deitava-me um olhar de soslaio, como quem diz "que é que esta fulana tanto olha para nós?" E eu lá punha a minha máscara número um.
Depois as pessoas que vão entretidas com os seus pensamentos. Algumas percebe-se que vão tristes, preocupadas... poucas são as que mostram alguma alegria no semblante. Mas provavelmente não há razões para festejar o que quer que seja. Apenas as pequenas vitórias do dia a dia. Essas devem ser festejadas. Eu faço-o a sós comigo mesma. A vida já não é uma festa mas ainda vale a pena tentar que volte a ser, não é?
Sobretudo nestes dias em que Lisboa voltou a ser minha!

27 dezembro, 2006

Visita


Na escassa penumbra da tarde,
sonho.
Vêm me visitar as fadigas do dia,
os defuntos do ano, as lembranças da década,
como uma procissão dos mortos daquela aldeia
perdida lá no horizonte.

Este é o mesmo sol, impregnado de miragens
o mesmo céu que presenças ocultas dissimulam
o mesmo céu temido daqueles que tratam
com os que se foram

Eis que a mim vêm os meus mortos.

(Léopold Sédar Senghor)

Já tenho saudades senhora M!


Entrei hoje no meu serviço, onde fui recebida por três seguranças com o habitual "bom dia princesa". Depois, junto ao ponto encontrei a senhora M, que me cumprimentou com o seu habitual "como está a senhora D. Eduarda?", sempre que acontece cruzarmo-nos pela manhã...
A senhora M tem 80 anos e trabalha desde criança. Tem cerca de 1,40 e 35Kg de peso... e uma energia de fazer inveja a todos e a qualquer um. É a encarregada do pessoal de limpeza de todo o serviço, e com ela o pessoal "anda todo na linha" como ela mesma diz. Pois a senhora M que nunca faltou ao serviço por doença, que nunca gozou um dia de férias, que não precisou senão de uma manhã para ir ao funeral do marido e que para além do trabalho ali, ainda vai a casa de umas tantas senhoras fazer uns servicinhos leves como passar a ferro, estão a ver?, terá o seu último dia de trabalho oficial no próximo sábado. É obrigada a reformar-se por limite de idade.
Disse-me que não tem pena de deixar o serviço, mas que tem pena de nos deixar a nós as "senhoras" como ela diz. Porque a senhora M não permite que eu lhe dê passagem como é da minha obrigação devido à sua idade, não senhores. Quando tento fazer isso ela responde sempre "não senhora D. Eduarda: cada macaco no seu galho". A senhora M dá concerteza o seu lugar nos transportes a uma grávida ou a um deficiente, apesar da sua idade, metendo assim num chinelo os jovens que nem se dignam sair dos lugares reservados que ocupam, quando surge alguém que tem direito aos mesmos...
Mas eu sei que a senhora M parte com mágoa. Não tem pena apenas de nós as suas "senhoras". Tem pena de deixar o trabalho que é a única coisa que aprendeu a fazer e como ela mesmo diz "o que custa é saber que as novas que cá ficam não são melhores que eu."
Sei que a senhora M não vai ler este post. Mas vou saber como me despedir dela com a dignidade que ela merece.
Só não quero ficar triste e pensar que ela vai definhar rapidamente sem as suas "senhoras". Penso que ela ocupará o tempo fazendo mais uma ou duas casas particulares, porque nunca conheci ninguém com aquela energia. Nem mesmo o Pessa! E o Pessa era de peso! Acho que ela vai viver alegre até aos 150 anos e trabalhará ainda durante muitos anos.
Abençoada seja senhora M, que me deixará saudades com a sua pequeníssima figura tão cheia de vida e de energia. Mas como ela diz "tudo na vida tem um fim". A hora de ela se aposentar chegou. Agora tem que partir... para outra, senhora M! Porque nem é bom falar de descanso: trabalhar é que dá descanso... vou mesmo ter saudade suas senhora M!

26 dezembro, 2006

VOU SAUDAR 2007 JUNTO AO MAR










Tanta coisa nos acontece quando deixamos que nos aconteça!
Claro que para deixarmos que nos aconteça é porque estamos abertos para isso,é porque nos fomos abrindo,é porque, como os frutos, estamos maduros para a recepção dos eventos.
Não estou a dizer nada que as crianças adultas não saibam. Mas por que haveria de ter a pretensão de o fazer?!Não tenho, não!.
Apetece-me apenas falar da necessidade de nos abrirmos para as coisas boas da vida, para o que é inocente e puro, para o que nao tem maldade, para o que alimenta e desenvolve em cada um de nós o que de melhor existe em nós e muitas vezes desconhecíamos que em nós existia, ou, se conhecíamos, permitíamos que continuasse adormecido e sem expressão...
Vamos pois, com este espírito, de peito aberto, receber o ano novo, de 2007, com amor, sem medos e muita alegria.
Eu, por mim, nem queiram saber, adoro dançar, na passagem do ano, comer as doze passas, beber champanhe, dizer adeus ao ano que passou, entoar um hino de louvor ao universo pelo facto de ester vivo...
Vou fazê-lo, mais uma vez, junto ao mar, como o faço há uns anos a esta parte. Não pensem que é lugar de banzé, não. Sou alegre, mas de alegria reservo-balançada,sou festivo, mas não gosto de barulho amalucado, gosto de cansar meu corpo até à exaustão e de sentir o suor a correr-me na fronte e sentir-me como um menino que faz diabruras saudáveis, como se recebesse um prémio, a que tem direito, pelo simples facto de ter nascido...
Faço-o normalmente com pouca gente, até porque sou pessoa que tem poucos amigos. Mas os que tenho, são bons. Cuja companhia é muito importante.E vou fazê-lo junto ao mar de Santa Cruz. Na praia azul. Com as ondas bravas.E com a espuma a ver-se, por certo, na friagem da noite.
Mas... até lá, nos poucos dias que faltam, vou fazendo o meu balanço, de tanta coisa que me foi acontecendo durante este ano que está morrendo...Coisas que me aconteceram, porque deixei que me acontecessem. E se deixei que me acontecessem é porque chegou o tempo para elas acontecerem.
Foi um ano bom.
Um ano em que me aposentei.Gostosamente.Era funcionário público e ouvia e lia que estava a mais.Que fazia parte de não sei quê de corporações, etc. Pois achei que era mais digno ir-me embora.Não foi fácil.Ainda podia ficar mais algum tempo. Mas, não: sentia que tinha afinal a oportunidade de fazer outras coisas de que gostava ainda mais. Um ano em que me pus a abrir as gavetas da minha memória. Em que me pus a rasgar, como aliás sempre o fiz, ao longo da vida, muitos papéis, com poemas, contos, crónicas, cartas, apontamentos...Em que fiquei com dúvidas sobre se estaria a fazer bem rasgando aquelas coisas. Em que me arrependi de ter rasgado algumas coisas depois de as ter rasgado.Um ano em que afinal descobri coisas que já sabia, mas que o tempo gasto em nos gastarmos tudo fez para que o esquecesse, ou o não lembrasse: há de facto mais coisas para além do déficit, perdão, que coisa horrível,mas que raio de propaganda, há mais coisas para além dos processos, dos pareceres,da pressão psicológica e doentia da vida dita profissional, há coisas que têm a ver com a vida, com a beleza, com a poesia, com a amizade, com o amor, com outra maneira saudável de tomar um copo com tempo e com o espaço...
Bom ano para todos.
Parabéns, Eduarda, que tens um blogue bonito.
Eu vou dançar
Para junto do mar.

Eduardo Aleixo

Foi para ti que criei as rosas


Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
e dei ás romãs a cor do lume.

(Eugénio de Andrade)

Pronto: já passou!

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Acabo de ler enternecida a crónica do Eduardo, abaixo. Porque ele nos fala de si, o que pelo que conheço dele, não é pouca coisa. Porque nos fala de uma terra que pode competir com qualquer outra e ganhar como a mais bela de Portugal... e só admira que tão poucos filhos da terra tenham essa necessidade de voltar às origens, quando a família que lá tinham se extingue. Acho que isso é fantástico; como se pode "esquecer" uma terra como aquela? Eu que não sou de lá, nem de perto nem de longe, sinto necessidade de a visitar de vez em quando, e mais a mais, como diz o Eduardo não tem mar, que me é quase imprescindível... mas tem um rio belíssimo e é realmente uma terra encantadora.
Tenho vários amigos alentejanos que, embora tenham perdido todos os laços familiares que os ligavam às suas aldeias e vilas, compram casas ou montes e voltam às origens. Acho que é muito saudavel e confesso que tenho uma certa inveja de não ter uma terra aonde voltar... Mas adiante.
Quanto à simplicidade dos natais da sua infância, pois os tempos eram assim mesmo. O Natal era uma festa religiosa onde se misturava um pouquinho de paganismo. As prendas eram escassas. Lembro-me que eu, embora os meus pais vivessem bastante bem e tivéssemos uma boa casa nunca havia exageros com os presentes de Natal. Eu tinha geralmente uma boneca, com que me entretinha dois dias, não mais, e depois arrumava junto das outras, e coisas que tivessem a ver com a praia, tipo baldes de plástico, forminhas para bolos de areia, etc., etc. Mais tarde quando aprendi a ler tinha sempre bastantes livros, porque era o que eu pedia. Com os meus irmãos passava-se o mesmo, recebíamos jogos didácticos mas tudo em pequenas quantidades. E dávamos valor às coisas e tal como o Eduardo, mal dormíamos para podermos ver no dia seguinte os presentes na chaminé, que em minha casa eram deixados pelo menino jesus... é que o pai natal, segundo o meu pai, era empregado do menino jesus e é claro que a nós só podia ser mesmo o próprio menino a servir!
Hoje o natal é um negócio de muitos milhões. Só uma das crianças da minha família ganhou este natal entre outras coisas: um PC portátil, uma viola de verdade que custou mais de € 100,00, um leitor de MP 3 com a capacidade de 1 GB, uma tostadeira (porque o puto gosta de cozinha), vários jogos de playstation, vários bonecos desses que andam por aí a ser anunciados na TV. Fiz as contas por alto (e não vi tudo o que ele recebeu só dos pais) e estavam ali mais de € 5.000,00. Por muito que goste deste miúdo, que de resto sempre conheci a adorar receber presentes e a quem só este ano contaram que não há pai natal, (e mesmo assim ele estava um pouco na dúvida e queria sair de casa para ver se o pai natal voltava com mais presentes), fico chocada com este tipo de atitudes. É isto que desvirtua o natal, esta ideia de consumismo que destruiu completamente o espiírito de algo que devia ser bonito e se me tornou cada vez mais desprezível. Felizmente em todos os outros núcleos familiares da minha vasta família, existe a regra de os pais darem apenas um presente a cada criança, visto que receberão sempre muitos mais dos resto da família e dos amigos.
Quanto a mim, este ano, apesar de não ter tido natal, o pai natal deu-me 3 livros o que fez de mim a menina mais feliz à face da terra... mas olhem que o ano passado fartei-me de barafustar por naõ ter recebido um único livro. Por isso, apesar de ser uma menina mal comportada, ainda assim fui agraciada.
Mas estou aliviada por ver este natal por trás das costas! Ai estou, estou!

MAIS UM NATAL













Desta vez passei o Natal na vila da minha mocidade, aí, onde foram tecidos os sonhos mais marcantes da minha vida: em Mértola .
Na foto: o rio Guadiana, cujas águas tenho de rever, de tempos a tempos, para carregar as baterias, como costumo dizer.
Falar da minha vida sem falar desta terra e deste rio é coisa impossível.
A minha paixão pelas águas vem daí, e é tanta que, desde menino, sonhei que, quando fosse velho, gostava de ter uma casa junto do mar, para aí morrer.
Mas mesmo que não tenha mar, já fico contente, muito contente, quando tenho um riacho ou uma lagoa.
Mértola... do rio, que era o ganha-pão dos pescadores, que viviam no Bairro do Favela, junto do qual eu morava e foi com os pescadores que aprendi a fazer redes de pesca. Rio... que era a estrada principal, por onde vinham os barcos carregados de tudo, e de adubo para as terras.
Depois, com a abertura e aperfeiçoamento das estradas terrestres , o rio perdeu importância e nunca mais foi o mesmo, quando os pescadores, na sua maioria, emigraram para França e Alemanha , à procura de melhores condições de vida.
Isto foi na dácada de 60.Tempo de muita fome no Alentejo.
Os tempos passaram.A maioria de nós saiu da vila.E por Lisboa ficou.
Hoje, quando vou a Mértola, sinto-me um pouco estrangeiro. Aqueles que têm a vida organizada em Lisboa, cujos pais já faleceram e que não têm lá mais familiares, vão lá cada vez menos. Se lá forem, também não contactam minimamente com os da mesma geração que lá permaneceram, em virtude de as relações com eles não serem estreitas. E o resto... são jovens, que nós não conhecemos, netos dos que lá ficaram.Restam... os lugares da nossa infância e adolescência para vermos.E recordarmos.E é tanta coisa, minha vida...
Mas eu, felizmente, ainda tenho a minha mãe, que lá vive, só, na nossa casa. Sente-se bem assim, embora os filhos se fartem de dizer para ela vir para Lisboa. Mas ela é muito independente.E eu compreendo.
Foi bom passar o Natal com ela. Os seus olhinhos, todos eles brilham, quando jogamos as cartas, com a minha mulher e a minha filha.Então, vem sempre à baila a minha avó Artemisa, que era terrível no jogo das cartas, porque fazia sempre cenas quando perdia.Diga-se que em matéria de independência a minha avó Artemisa é um exemplo que recordo sempre com grande admiração. Com a casa do filho ( meu pai ), em Mértola, sempre se recusou a viver com ele e a minha mãe, preferindo a sua casinha simples, no outro lado do rio, onde morreu.
A minha mãe... a contar as cenas da nossa meninice, nas noites de Natal, junto da lareira:
- Vá, vamos para a cama, que o Pai Natal não põe as prendas enquanto os meninos estiverem aqui...
E eu lá ia com o meu irmão para a cama.
Noite mal dormida. Com que ansiedade.Nunca mais amanhecia.
E na manhã seguinte: lá estavam coisas simples, como peqeninos chocolates, dois livrinhos, daqueles pequeninos, de estórias para crianças, um par de peúgos, coisas assim...
E nós, tão contentes, com tão pouca coisa...
....
Foi assim pois o meu Natal, calmo, quente, lembrando a infância.

Eduardo Aleixo

Nega-me o pão, o ar


Nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

(Pablo Neruda)

Para a minha avó com amor

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25 dezembro, 2006

E chega ao fim mais um dia. Daqui a nada chega ao fim mais um ano. Hoje, em família, lembrei a minha avó materna que partiu faz hoje precisamente 14 anos. Tinha 92 anos e uma memória invejável. Viveu só, até ao fim dos seus dias, sem depender de ninguém.
Embora tenha vivido com ela poucos anos, os que vivi foram durante a minha infância e hoje lembrei as estórias que ela me contava, que eram perfeitamente aterrorizadoras, com muitas facas e muito sangue pelo meio e muitas meninas boas que afinal faziam tambores com a pele dos maus que mandavam matar... enfim: se fosse hoje a minha avó querida seria acusada de ser uma megera que traumatizava as criancinhas. Não me parece que tenha ficado traumatizada com as estórias que ela reinventava todos os dias, mas fiquei certamente por ela se ter ido embora faz hoje precisamente 14 anos, numa altura em que estava comigo, como sempre acontecia nas férias de natal das crianças.
A minha avó Gertrudes ensinava aos bisnetos truques que tinha aprendido enquanto andou fugida de casa com um circo que tinha passado lá na terra dela. Ela teria 7 ou 8 anos mas jamais esqueceu as mágicas que aprendeu por aqueles dias, até o pai descobrir onde ela estava e a ir buscar, quase arrastada! Pronto: agora já sabem a quem saio...
Ainda hei-de escrever muitas das estórias da minha avó Gertrudes que me ensinava a construir papagaios de papel e bonecas de papel... e me fazia as matronas de pano mais bonitas que alguma criança alguma vez teve.
Pois hoje lembrámos com muita saudade, mas também com muita alegria, a avó Gertrudes que escolheu o dia de partir de modo a jamais ser esquecida: como se fosse possível esquecer a saudade que deixou dentro de todos nós!
E até o meu filho que vive em Itália, levou o dia a ligar-me de meia em meia hora porque está morto de saudades da família, assim como nós estamos dele que também herdou a parte mágica e "doida" da avó Gertudes.
Por isso aqui deixo o meu tributo de saudade imensa, avó querida. Tenho a certeza que seja onde for que estejas, continuas a inventar as estórias tenebrosas e a ensinar truques de ilusionismo...

24 dezembro, 2006

O Sorriso



Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.

(Eugénio de Andrade)

Magia é isto


A amizade é mágica quando é verdadeira. Tenho poucos amigos. Neste momento o saldo é positivo, porque se houve uma amizade que rejeitei porque era uma amizade de mentira, uma amizade daquelas que só servem para nos deixar por terra, porque esperam de nós tudo sem nada dar em troca, nos culpam de tudo o que de mau lhes acontece, em compensação ganhei um amigo que nunca me deixa estar só, por muito longe que esteja. Eu sei que ele está sempre junto de mim, porque o sinto junto ao coração como sinto como os meus amigos de verdade, mais antigos, que eu sei que jamais me deixarão só, embora respeitem o meu espaço, o meu tempo, os meus silêncios...
Amigos assim trazem magia à nossa vida. Acordamos e adormecemos desejando que estejam bem, que jamais nada de mau lhes aconteça, que a nossa amizade seja eterna, não apenas enquanto dure, mas que dure para sempre.
Por isso, hoje quero aqui desejar a todos os amigos que amo, não presentes nem impossíveis: apenas saúde que é o bem maior que podemos ter. Tudo o resto acabará por ser nosso se tivermos saúde para lutar por um mundo melhor, onde a paz, o pão e a educação não sejam privilégio de apenas meia dúzia que tiveram a sorte de nascer no lado certo do mundo, no lado iluminado da vida.
Bom fim de semana a todos.

23 dezembro, 2006

Morrer em Zanzibar

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As histórias que contavas lá da aldeia
a bola no telhado da vizinha
o branco no amarelo da eira
e a calça sem bainha

A varanda e a calça sem bainha
a semana
na baía a pesca à linha a vizinha,
o que querias da montanha

Que pensamento querias da montanha
fugiste um dia p´ra Kilimanjaro
seria o jeito sábio dum cocoana
a falar sob um céu claro

a marimba, a falar sob um céu claro
a madeira, de pau preto
um aparo a montanha
vou de boleia em boleia

Agora vou de boleia em boleia
agora vou voltar a ser menino
parar, ouvir silêncios sobre a areia
visitar-te em S. Francisco

Sobre a areia, visitar-te em S. Francisco
lua cheia
a subir tudo o que lembro
a gavinha, numa noite de Dezembro

Deixaste o sol na praia de Inhambane
no cais da ponte o dia do vapor
amigos que p´ra longe a pátria bane
num retrato de esplendor

Ventoinha,
num retrato de esplendor
cazuarina, quinino saga e calor
a cantina com o sabor, o leitor

e fico com o sabor das leituras
percorro a vossa esteira pelo mar
com um baú de histórias de aventuras
vou morrer em Zanzibar

(João Afonso Lima)

Onde não há magia.


Ouço João Afonso, porque gosto da limpidez da sua música e porque ela me traz sons de África em português. É uma das coisas mágicas em que acredito: a música. Creio que a música tem o poder imenso de ajudar a mudar o mundo. Muita gente já percebeu isso. Há uma realidade que nos passa talvez um pouco ao lado, porque é evidente que nem toda a música tem esse poder. É preciso que o compositor tenha preocupações sociais para as transmitir.
A música de João Afonso não mudará o mundo mas enche-me de alegria e tranquilidade. É portanto mágica para mim. A sua voz suave encanta-me. Os seus versos, sem sentido muitas vezes, levam-me de volta à infância. João Afonso é pois, um mágico!
Hoje apetece-me João Afonso, porque vi imagens do Chade de que não gostei. O que se passa no Chade, o que se passa em África é terrível e não é escondendo a cabeça na areia do deserto como avestruzes que resolveremos o que quer que seja. Não há magia no Chade que morre de fome e sede... não há magia onde não há pão, educação, liberdade religiosa. Não há magia num país invadido. Não há magia na guerra. Para eles não há natal. Aquelas crianças nem sabem que existe o pai natal. Porque ninguém tem tempo para lhes contar estórias que abrandem um pouco a selvageria a que os seus olhos se habituaram diariamente. Para aquelas crianças só existe a fome, a doença, a morte. E se por acaso escaparem à morte, que homens se poderão tornar? Quase todos, novos senhores da guerra.
Porque somos o que aprendemos e isso é o que estas crianças aprendem. É preciso matar para não morrer, é preciso fugir, fugir, fugir, fugir... eternamente se não quiserem matar nem morrer!
Uma vida em fuga! Isto não é magia!

22 dezembro, 2006

COM AMOR, APESAR DE TUDO...

Sim, lisboa... vai-se esvaziando, depois das compras feitas, numa azáfama nervosa, frenética, irracional...Que canseira para quem as faz, embora não o diga...
Que só... vai ficar a cidade de Lisboa! Que maravilha é ficar em Lisboa, caso se goste de ficar em boa companhia!
Mas há uma solidão que se respira em Lisboa...Direi melhor: uma tristeza, que não sei definir. Que não é talvez de Lisboa. Que é minha. É uma solidão, no entanto, que não é festiva...Porque há solidões, para mim, pelo menos, festivas...
Eu sinto a cidade só. Mas também uma solidão que cai sobre as compras feitas.O ritual foi cumprido.O formal foi respeitado. Não foi posto em causa.
Santo Natal.
As luzes.
Mas--- que é feito do essencial?
É o Amor?. De que tanto se fala. Com tanta facilidade!.Que foi feito do Amor o resto do ano?
É a Amizade?
Que foi feito dela o resto do ano?
É o dar as mãos aos pobres?. O que foi feito disso o resto do ano?
É o comemorar o nascimento de Cristo?. Quem se preocupa saber verdadeira e seriamente, como o autor destas linhas,quem foi Ele, não lhe bastando - longe disso - as descrições oficiais que sobre Ele existem?
Por aqui me fico...
Como me dizia hoje uma amiga minha, que considero um espírito muito elevado, neste mundo:
_ Tu estás certo, Eduardo, a religião é Amor... Não é nada disso que andam a vender...

Amor para todos. Apesar de tudo.
Bons dias de alegria.
Vou até ao Alentejo.
Ver a minha mãe.
Que está só.

Eduardo Aleixo

Adeus


Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos,
ou, se preferes, minha boca nos teus olhos
carregada de flor e dos teus dedos;
como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve - e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.
Como se a noite se viesse e te levasse,

eu era só fome o que sentia;
Digo-te adeus, como se não voltasse

ao país onde teu corpo principia.
Como se houvesse nuvens sobre nuvens
e sobre as nuvens mar perfeito,
ou, se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito.

(Eugénio de Andrade)

O Natal é quando um homem quiser...

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Eu gosto muito do Gato Fedorento. Gosto! Acho piada a muitas coisas e acho que estão a ser muitíssimo bem aproveitados pelos bons publicitários do nosso país. Como tudo o que "pega à primeira", há muita coisa do Gato Fedorento que pegou. Para mim a das "gajas boas" é do melhor que há.
Mas a verdade é que me sinto mesmo como "o natal é quando um homem quiser e este ano, não quero, não me apetece".
E a coisa não é de hoje, não é "este ano"... o natal não me diz nada, irrita-me a obrigação social de enviar postais, sms, emails, a desejar uma coisa que para mim não existe. Irrita-me receber presentes que me apetece deitar para o caixote do lixo, inutilidades que daqui a uns anos irão parar a uma quermesse, quando eu tiver esquecido quem foi que me deu... porque é apenas por isso que não vão já direitinhos para os escuteiros... porque gosto das pessoas que mos oferecem... só que parece que não me ouvem: por mais que eu diga não me dês nada, sobretudo não me dês bibelots que eu arrumo tudo, não quero ter coisas a amontoarem pó a darem um trabalho inútil... é escusado, não há ano que eu não receba pelo menos meia dúzia de inutilidades a maior parte nem sequer faz o meu género e às vezes fico com a impressão que são presentes que essas pessoas receberam e que aproveitam para despachar nos anos seguintes...
E com a idade tenho vindo a refinar. E é por isso que este ano não vou enviar postais de boas festas a ninguém. No ano novo, sim. Mas agora não vou enviar postais nem sms nem nada de nada... quero que se lixem as convenções, estou cansada de fazer fretes. Porque é que me vou dar ao trabalho de falar de natal se não acredito? Para ser socialmente correcta? Não me apetece ser socialmente correcta! Não me apetece e pronto! Olha vão ser quatro dias de descanso, sem horários com uma única coisa boa que é poder estar na segunda-feira com a maior parte da minha família, sobretudo com os mais pequenos com quem estou cada vez menos e de quem sinto sempre saudades imensas.
De resto dá-me enjoos ver a preocupação que as figuras públicas deste país, sobretudo os políticos, demonstram nesta altura pelos pobrezinhos, pelos idosos, pelos sem abrigo. Dão-lhes de comer mas é claro que toda a comunicação social está lá para mostrar como são bonzinhos. Estou farta da hipocrisia que esta época representa. Os sem abrigo estão aí o ano todo, todos os dias há mais e o que faz o governo, o que fazem as entidades competentes para evitar que isto aconteça? Dão um almoço ou um jantar de natal... a quem ainda há pouco tiraram tudo o que tinha: uma barraca com uns raros haveres. Passam uma esponja pela má consciência e está a "andar de mota"... dá-me uma raiva!!! Ainda hei-de arranjar maneira de os fazer "largas as rodas! Ai largam, largam!

CHEGOU O INVERNO










Adoro o sol, mas faço parte da Natureza, onde o Inverno habita e ...ele, o Inverno, está a chegar.E como cada vez mais amo a Natureza e a respeito, embora adore o sol, é minha obrigação, e é com muito gosto, que vou receber, mais uma vez, o Inverno, que vai irromper no minuto 22, deste dia 22 de Dezembro, no momento em que o sol entra no signo do Capricórnio( solstício). Como esta é a noite mais longa do ano e eu sou um homem juridicamente aposentado, mas ontologicamente, sem tempo, estou aqui, para soudar-te, Inverno, com gosto, como já disse, até porque tu, ao contrário de nós, mortais, não exiges protocolos, etiquetas, nem vaidades, vens, e só os que, como eu, que, não sei porquê, são amantes das estrelas, do céu e do mar, sabem que vens, e te recebem, com respeito, mesmo sabendo que trazes o frio e o vento e a neve e...
Estou pois aqui para saudar-te, Inverno, e escrever um pouco sobre ti, ou melhor, sobre o que me lembras, me invocas, me sugeres.Quando escrevi a tua palavra Inverno, pensei logo nas lareiras da minha infância. E nas lareiras da agora. De que não prescindo.Sabes, prometo, escrever sobre ti, até Março, sobre as brasas, sobre o fogo e sobre as cinzas.Prometo. Porque não há Inverno sem o apelo do fogo, sem a fome do aconchego, sem a memória das estórias da inocência, contadas à beira das chaminés, mas prometo também, Inverno, falar contigo sobre as árvores, sobre o que sofrem em silêncio, há milhões de anos, claro que os seres humanos também, os pobres, os sem abrigo, mas ouve: eu sei que não és culpado, tu fazes parte da natureza, as árvores não se queixam de ti, os pobres humanos também não, ambos têm outras queixas, escreverei sobre isso, mas agora já chegaste, vem, cumpre a tua missão,como o Outono já cumpriu, e a Primavera há-de cumprir, eu gosto de todas as estações, tanbém gosto de ti, e tu já me conheces, até te ris, quando todos os anos te digo que costumo dizer aos meus amigos que estão tristes: " Por mais longo que o Inverno seja...chega sempre a Primavera."

Eduardo Aleixo

21 dezembro, 2006

Rotina


Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

(Eugénio de Andrade)

Universo ao meu redor


O poema que o Eduardo nos dedicou a todos, porque no fundo todos nós gostamos de uma ou de várias pessoas, logo todos temos uma estrela no céu (ou no mar), fez-me lembrar o planeta Vénus que aprecio de modo especial. Um dia destes, já depois do sol posto, estava à janela a olhar o mar e lá estava ele, aquele pontinho de luz que gosta de se fazer passar por estrela e que é realmente encantador como uma estrela, sobretudo quando se mostra assim: sem medo, sem pudor, num céu alaranjado sobre o mar. Ou de manhã cedo... é realmente um universo tão fascinante, este em que vivemos, que custa a perceber porque é que as pessoas o gozam tão pouco... porque se preocupam tanto as pessoas com coisas que não têm qualquer significado e custam rodos de dinheiro quando têm à mão de semear um universo inteiro para descobrir, todos os dias.
Um universo, que tal como uma sedutora mulher, se apresenta cheio de mistérios, mudando de aparência a cada instante. Porque é que as pessoas não olham à sua volta?. Porque se fecham em centros comercias quer chova quer faça sol? Há algo que se possa assemelhar à beleza do mar ou do campo, de um dia de sol ou de tempestade, de um céu limpo ou cheio de nuvens que se vão mostrando quais desenhos infantis aos nossos olhos, mudando de forma, mais claras ou mais escuras... quem souber de alguma montra que mostre algo que tenha uma milésima parte do que me mostra o universo todos os dias, que o aponte... hei-de arranjar um prémio a sério para quem apresente tal descoberta.
Quantos dos meus colegas param de trabalhar uns minutos para observar as pombas que pousam nas nossas varandas e nos olham com curiosidade? Será que já se aperceberam que há uma pomba que pousa todos os dias na minha varanda e me observa com toda a atenção? Pois essa pomba faz parte deste universo maravilhoso de que vos falo, e que está o dia inteiro connosco, mesmo quando trabalhamos no centro da cidade de Lisboa, onde aparentemente só existem edifícios. Aparentemente... porque se olharem com atenção o céu está lá, limpo ou nublado ou de chuva... as pombas estão lá... e às vezes até gaivotas aparecem... Pois é, eu sei! Nunca viram. Mas vão passar a ver se se lembrarem que esta vossa amiga vos disse que esse universo existe de verdade e não está à venda... nem à mostra em qualquer montra de loja.
Nota: (A foto extraordinária acima é de Rui Horta)

20 dezembro, 2006

POEMA OFERTA DE NATAL

POEMA
( DEDICADO A TODOS OS QUE SE GOSTAM )
Eu tenho a minha estrela no céu,
Mas não sei qual é.
Tu também tens a tua,
Mas não sabes qual é!
Não importa!
Elas sabem uma da outra.
E sabem onde estamos...
Eduardo Aleixo

Prelúdio


Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...

Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...

Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...

Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora
as histórias que costumava contar?...

Mãe-Negra não sabe nada...

Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...

Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...

Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.

É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada..

(Alda Lara)

E viva o Pai Natal!

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O Natal tem pelo menos uma coisa boa, assim às primeiras: dá emprego a muitos Pai Natal! Estou convicta de que a maior parte dos Pai Natal que por aí andam, são desempregados a ganhar um dinheirito nesta época. Muitos são tão jovens... adivinhamos a sua juventude por trás das barbas brancas e dos aros dos óculos... hoje tive vontade de me dirigir ao Pai Natal que estava na estação do Metro do Cais do Sodré e perguntar-lhe quem era, o que fazia habitualmente, que idade tinha... aposto que nem pai é, quanto mais Pai Natal! Mas passavam várias crianças nessa altura e não achei oportuno aproximar-me... ainda esperei meio escondida que surgisse uma oportunidade, mas é claro que com o movimento da hora de ponta há sempre muita pequenada por ali... não foi possível, mas o assunto não ficou esquecido. Pode ser que ele ainda me possa dizer quem é e porque desempenha este papel. Ficou claro, pelo que observei, que gosta de crianças. Nisso ele estava a ser sincero: não precisava de representar para se perceber que as suas palavras para as crianças eram sinceras, que o seu carinho por elas era sincero... pelo menos aquele Pai Natal, por muito mal pago que seja, há-de achar que ainda assim vale a pena!
E há pelo menos um Pai Natal em Lisboa, (espero que ainda seja vivo) que tira férias nesta altura para ser Pai Natal. Mas essa é uma estória tão bonita que poderia até ser contada como estória de Natal...
Eu vou aproveitar as minhas crianças mais pequenas para manter a estória do Pai Natal... que eu acho que não faz mal a ninguém... as crianças precisam de fantasia, de personagens de sonho que iluminem as suas vidas tão curtas, mas já tão agitadas, saltando da cama cedíssimo, para irem para os jardins de infancia ou para as escolas, onde ficam na maioria dos casos, depositadas a maior fatia de tempo possível...
Mais uma vez lembro o Professor Agostinho da Silva que defendia a ideia de que só devia entrar-se na escola por volta dos 18 anos... até lá o tempo seria de infancia
Deixa-me cá fazer contas: sem perder um ano e com o processo de Bolonha em pleno, por volta dos 35 anos estaríamos prontos para entrar no mercado de trabalho. É claro que as mães seriam ainda mais velhas do que já são hoje, mas quem sabe a coisa resultasse! Lá estou eu divagar... deixo-me levar pela imaginação com uma facilidade... deve ser porque não conheci o Pai Natal e os filmes que via na infância com a Marisol e o Joselito me faziam sair do cinema a chorar como uma Madalena arrependida... se calhar também é por isso que hoje não há filme que me faça chorar, ainda que me emocione muito.
Viva pois o Pai Natal!

19 dezembro, 2006

VELHO DE BARBAS BRANCAS

POEMA
Havia um velho de barbas brancas
Que vivia numa cabana
À beira de um ribeirinho
Debaixo de um eucalipto.
Como eu gostava dele!
Da sua voz calma,
Do seu olhar sereno,
Do seu sorriso claro!
Passaram muitos anos...
O ribeirinho já não existe: foi atolado.
O eucalipto já não existe: foi abatido.
Só o velho de barbas brancas
Permanece bem vivo
Dentro do meu coração...
( 18/12/2006)
Eduardo Aleixo

COMENTÁRIOS BREVES

Breves, porque nesta altura do ano, sinceramente, com o país pouco interessado nas coisas que me preocupam e sobre as quais me apeteceria dizer muita coisa, o melhor é, enfim, para não ficar calado, que também seria uma dor para a minha alma, dizer apenas o essencial:

1. Ouvi hoje na rádio que há a intenção de se criar no país um Provedor de, se percebi bem... da Interioridade. A TSF abordaria no seu programa Forum este assunto. Eu não ouvi o Forum. Ouvi apenas o seu início. Ouvi uma figura pública, ligada ao assunto, falar sobre a necessidade da criação de um Provedor. O ingrediente para a criação de mais um Provedor é a seguinte: é preciso evitar que se use o mesmo critério, usado para terras como Lisboa, Porto e Coimbra, para terras pobres, como Mártola, Alcoutim, etc ( o que me parece, aliás, óbvio...). Nestas últimas, onde há menos oportunidades de emprego, os critérios usados em Lisboa não servem. Logo, torna-se indispensável que haja um Provedor, o qual chame a atenção do Governo Central para as especificidades das terras mais pobres e nelas sejam aplicadas outros critérios ( Claro que não podem ser os mesmos...). Quer dizer: não servem as autarquias para conhecerem as especificidades locais e chamarem a atenção do Governo Central!!. Ou muito me engano, ou este governo vai, com esta estória do Provedor da Interioridade ( se o adormecimento do país o permitir, como me parece que será o mais natural) criar mais uns novos cargos, para mais uns boys, coisa pouca, claro, por causa da exiguidade do orçamento...

2. Vai ser criada uma empresa pública para gerir a Administração Pública!!! Que vergonha, Santo António, nem digo meu Deus!! Então é o próprio Estado a considerar-se incompetente?! Ou já não é o Estado a gerir a Administração Publica? Ou é já o Estado a desistir da gestão da coisa pública?!

3. Milhares de funcionários públicos vão para o Quadro de Excedentes. Não haja ilusões que é isso que vai acontecer. O orçamento de 2007 já contou com essa realidade. Não vou discutir aqui se é justo, ou se é injusto. O que acho vergonhoso é que este governo não fale verdade às pessoas. Em vez de dizer a verdade, o que diz? Até parece mentira, mas o que ouvi foi que se vai abrir uma janela de oportunidades para os que vão para o Quadro de Excedentes, por força do crescimento económico previsto para os póximos anos. Esse crescimento irá permitir que arranjem empregos!!Vejam bem!.Mais uma promessa!. Feita por um governo perito em cumpri-las!. Só que aqui é mais grave: trata-se de uma promessa sem nenhuma garantia de concretização, pois depende de algo que não tem nada a ver com a Função Pública, mas com a performance do mundo empresarial privado ...

Eduardo Aleixo

Sem fantasia


(Daniel, enquanto fazia força para que o meu filho mais velho nascesse, cantava esta canção, que te ofereço agora.)

Vem, meu menino vadio
Vem, sem mentir pra você
Vem, mas vem sem fantasia
Que da noite pro dia
Você não vai crescer
Vem, por favor não evites
Meu amor, meus convites
Minha dor, meus apelos
Vou te envolver nos cabelos
Vem perder-te em meus braços
Pelo amor de Deus
Vem que eu te quero fraco
Vem que eu te quero tolo
Vem que eu te quero todo meu
Ah, eu quero te dizer
Que o instante de te ver
Custou tanto penar
Não vou me arrepender
Só vim te convencer

Que eu vim pra não morrer
De tanto te esperar
Eu quero te contar
Das chuvas que apanhei
Das noites que varei
No escuro a te buscar
Eu quero te mostrar
As marcas que ganhei
Nas lutas contra o rei
Nas discussões com Deus
E agora que cheguei
Eu quero a recompensa
Eu quero a prenda imensa
Dos carinhos teus

(Chico Buarque)

Por trás de tudo o que importa é o sentido da vida


É uma delícia poder viver o dia a dia num país que nada tem para oferecer e chegar ao fim do dia, feliz... porque mudei de vida há uns anos...
Pois é: a minha vida não mudou quando casei, quando me divorciei, quando mudei de emprego ou quando mudei de casa... a minha vida mudou quando eu decidi viver a vida, agarrando todos os pequenos momentos que ela me oferece e deitar para trás das costas o que me aborrece e que no fundo não tem qualquer importância...
A minha vida mudou, quando eu decidi viver. Quando decidi olhar para o que me rodeia, conversar com desconhecidos, sejam pessoas comuns ou sem abrigo... A minha vida mudou quando percebi que o sol, bem aproveitadinho, pode dar-me um prazer imenso, se utilizar os meus cinco sentidos... o mesmo acontece com a chuva, o mar, os rios, lagoas, casas... naturezas campestres ou urbanas, tanto faz... desertos ou mares... planícies ou montanhas, sol ou neve... tudo tem uma beleza. Podemos passar todos os dias pela mesma estrada e todos os dias ela estará diferente. Como dizia o meu querido Professor Agostinho da Silva "um homem nunca passa duas vezes pela mesma ponte; quando vai é um homem e uma ponte e quando volta nem o homem nem a ponte são os mesmos..." E basta perceber uma coisa tão simples quanto esta para se mudar de vida.
A minha vida mudou quando percebi que tomar decisões sem olhar para trás, tomar decisões de que não me viesse a arrepender me dava tranquilidade... A minha vida mudou quando percebi que é possível viver sem remorsos... A minha vida mudou quando percebi que é bom viver com saudades... A minha vida mudou quando percebi que tudo o que eu devia ter aprendido na vida, tudo o que realmente importa, o que pode dar sentido à vida, aquilo a que muitos chamam de "chave da felicidade", o meu pai me ensinou, porque não tive jardim de infância...
Tenho no guarda roupa apenas a roupa necessária. Desfiz-me de tudo o que não usava e costumava juntar. Agora o meu guarda roupa dá gosto, quase vazio. Em compensação o número de estantes tem aumentado e o espaço para arrumar música também.
Gosto de passear e gosto de sair com os amigos... mas como gosto de estar em casa, com os meus livros, a minha música, as minhas coisas! Por isso quando a minha querida Lena me perguntou hoje, quando saí do emprego mais cedo do que o costume se ia às compras e eu respondi que ia para casa ela ficou admirada... diz que estar muito tempo em casa lhe dá falta de ar. A mim o que me dá falta de ar são os centros comerciais cheios de gente... isso é que me dá falta de ar!
E foi assim que, mais uma vez, consegui assistir ao espectáculo do pôr-do-sol. Daqui a nada os dias começarão a crescer e já não terei que "correr" para não perder um dos meus espectáculos preferidos: ver o sol emergir de manhã no Tejo e mergulhar no mar ao fim da tarde...
Para além disso o Daniel fez-me outra visita e já se sabe que o meu xodó por ele não é algo sem importância... aquele puto faz-me um bem!
É por isso que eu gosto de viver... porque cheguei ao fim de "A vida Nova" e descobri que a referida vida é a morte. Então não quero uma vida nova, quero a minha, e farei com ela o que puder para me sentir bem e sentir que quem me rodeia, pelo menos está em equilíbrio. E não vou permitir mais que alguém me desestabilize como permiti no passado. É só isso que eu espero da vida.

18 dezembro, 2006

Anúncio


(quem ler, saberá a quem é dedicado... porque ambas amamos Alda Lara)

Trago os olhos naufragados
em poentes cor de sangue...

Trago os braços embrulhados
numa palma bela e dura
e nos lábios a secura
dos anseios retalhados...

Enrolada nos quadris
cobras mansas que não mordem
tecem serenos abraços...
E nas mãos, presas com fitas
azagaias de brinquedo
vão-se fazendo em pedaços...

Só nos olhos naufragados
estes poentes de sangue...

Só na carne rija e quente,
este desejo de vida!...

Donde venho, ninguém sabe
e nem eu sei...

Para onde vou
diz a lei
tatuada no meu corpo...

E quando os pés abram sendas
e os braços se risquem cruzes,
quando nos olhos parados
que trazem naufragados
se entornarem novas luzes...

Ah! Quem souber,
há-de ver
que eu trago a lei
no meu corpo...


(Alda Lara)

E os mais votados são...


Mais uma vez me vejo levada pelo meu queridíssimo Eduardo Aleixo, nesta ronda que vai de roda, vai de roda... é que não queria falar de corrupção no futebol antes de Maria José Morgado, e ainda queria falar menos depois... Mas tenho que dizer agora, que se ela continua a ser por dentro a menina que foi, bem se pode dizer que o seu lema de vida é qualquer coisa como "o bom é inimigo do óptimo". Maria José é uma mulher de garra, justa e determinada. Com uma capacidade de trabalho extraordinária. Eu era ainda uma garota mas já a via como uma rapariga que seria alguém na vida, apontada pelos meus pais e pelos pais dos meus amigos como um exemplo... e eles tinham razão... mesmo quando ela seguiu caminhos que não agradaram a nenhum dos nossos cotas... ele fez o que achou que devia fazer e fê-lo bem feito. E este é apenas mais um trabalho para Maria José. E será concerteza uma dor de cabeça que não passa com um simples analgésico aos mafiosos do nosso futebol. Por isso Maria José Morgado é para mim a mais votada dos últimos tempos.
Quanto a Miguel Esteves Cardoso, que eu já apreciei muito, depois passei a apreciar menos e depois nada, uma vez que o senhor se calou... como continuo sem saber porque se calou não me posso pronunciar... mas se ele voltar a escrever como escrevia há 30 anos, então que seja bem vindo pois o que nós precisamos todos é de um novo fôlego de frescura, mas sem o PP à trela se for possível, p.f.
Quanto ao prémio que me foi atribuído pela revista Times, quero aqui dar a minha parte, por inteiro, ao engenheiro cá do burgo, que tanto aprecia esta coisa das novas tecnologias... é que me chateia ganhar um prémio que também já foi ganho pelo homem que vive numa casa branca....
Prefiro estar só do que mal acompanhada!

BEM-VINDOS











1. Maria José Morgado: à ciclópica maratona de limpeza da corrupção...Imagino como, na sombra, o poder do dinheiro e das influências já estão a movimentar-se para lhe sabotar a acção.Ela, porém, tem competência e, principalmente, fibra, para o combate que se avizinha. É, aliás, significativo que, nas parcas palavras que disse, após ter sido nomeada para o cargo, tenha falado na indispensabilidade de apresentar resultados.Parabéns, pois, e sorte.

2. Miguel Esteves Cardoso: pelo seu regresso às lides literárias e jornalísticas, de que esteve afastado por motivos que conta com a frontalidade e lucidez habituais, no D.N., do último fim de semana. Para quem tenha estranhado, como eu, a sua longa ausência, ficou a entender, depois de o ler agora, que os motivos foram demasiado sérios.Tendo batido no fundo, como se costuma dizer, tendo visto de perto a morte, ele renasce com outro entendimento, outra visão sobre a vida...

3. O prémio da Revista Time.O blogue está também de parabéns e todos os que nele escrevem e o lêem.É que recebeu um bocadinho do prémio atribuído pela revista Time à personalidade do ano e que foi " todos os que usam a Net", e que contribuem, deste modo, para a criação da democracia digital...

Eduardo Aleixo

LUMINOSAS POMBAS









POEMA
Quero as palavras certas e calmas
Que não enganem
Ou então o rio tumultuoso das palavras
Que vão ao encontro das estrelas.
Soberbas palavras.
Luminosas pombas.
Que farão vergar as espadas do ódio.
Eduardo Aleixo

17 dezembro, 2006

DOIS DEDINHOS DE CONVERSA









Primeiro dedinho

O meu sonho sempre foi poder dizer, como Fernando Pessoa:

«Quem está ao pé do rio da minha aldeia
Está só ao pé do rio da mnha aldeia»...

É que este " só "... é imenso, e nele reside toda a serenidade do mundo... e nossa...









Segundo dedinho

Sou contra a violência.
Mas há violências que procuro, cuja existência agradeço.
É o caso de uma rosa, por exemplo, que nos enche completamente o olhar, contra a luz intensa do sol.
Ou uma laranja, quando estamos sequiosos no deserto ( da vida ).
Ou o cantar de um regato de águas transparentes e frescas, caindo no forte cansaço dos dias.
Ou a nudez de um corpo belo, fremente de desejo, ou não.
Ou o riso cristalino de uma criança.
Ou o calor apaziguante e silencioso de um olhar.
Ou o aconchego inesperado de uma mão na minha mão...
Enfim... tudo o que excede o bolor da normalidade, da rotina e da convenção. E em que o coração não fere, mas fica tocado, gostosamente...

Uma boa semana para todos.

Eduardo Aleixo

Alice no País dos Matraquilhos


Mãe fora, em que avenida
Olhos que a perseguem pagam, comem
Pai dentro, lambendo a ferida
Com que o desemprego marca um homem
E o irmão na caserna
Puxando às armas brilhos
E Alice no café
Habitante do País dos Matraquilhos

Na classe dos repetentes
Hoje vai haver mais uma falta
Alice cerra os dentes
Vendo a bola que no ar ressalta
Quer lá saber do exame
Quer lá saber da escola
Aguenta no arame
Matraquilho nunca cai ao ir à bola

Há também Leonor
Libertada da prisão há meses
Dizem que é por amor
Que olha tanto por Alice às vezes
Pousa-lhe a mão na cara
Protege-a de sarilhos
Alice nem repara
Viajou para o País dos Matraquilhos

E o irmão na caserna
Cambaleia entre a cerveja e a passa
Tem o sargento à perna
O tal que compara a guerra à caça
Faz tempo que descobre
Que é um matraquilho mais
Soldadinho de cobre
Matraquilho no país dos generais

Alice no País dos Matraquilhos
É mais do que no bar onde vive
Tem-te, não cais

Quando se cai na lama
Ninguém pára pra nos levantar
Por Alice, o pai reclama
"Tua mãe não veio pra jantar"
E os insultos noite fora
Desvia-os em chorrilhos
Alice nunca chora
Adormece no País dos Matraquilhos

E a mãe no Bar do amor
Passa as horas na conversa mole
Espera o seu protector
Que o seu corpo a ele enfim se cole
Não é que não recorde
Os que deixou em casa
Mas eis que chega o ford
E dentro vem o seu pavão de anel na asa

Entra então no café
Um rapaz de capacete em punho
Fica-se ali de pé
Escreve num papel um gatafunho
E a Alice vê surpresa
Frases que são rastilhos
Como vai Sua Alteza
A Rainha do País dos Matraquilhos

E tu ainda és o rei
Será que vieste em meu auxílio
A bem dizer, já não sei
Há tantos anos que ando no exílio
Vamos a um desafio
Atira tu primeiro
A vida está por um fio
Para quem é deste bairro prisioneiro

A loja que ali está,
Tem um certo ar de modernice
E nunca mais ninguém soube
A não ser a Leonor, da Alice
Aqui vai, Leonor
A foto dos meus dois filhos
Se reparares melhor
Têm pinta assim, sei lá
De matraquilhos

(Sérgio Godinho)